PRONTUÁRiO
REBELDES
Na
memória de Hollywood, persiste um punhado de filmes representativos
de uma galeria escassa mas essencial, os quais aliam um fascínio
ficcional e artístico, ao testemunho exuberante do seu tempo
virtual. Assim também, a realidade transfigura-se em ritual e,
universalizados os conflitos em causa, os seus precários heróis
convertem-se em símbolos, sob o culto estilizado dos respectivos
protagonistas. Entre tais obras primordiais, Amor
Sem Barreiras / West Side Story
(1961) permanece como um dos marcos insuperáveis. À partida, esteve
um famoso musical da Broadway - escrito por Arthur Laurents, com
poemas de Stephen Sodheim e partitura de Leonard Bernstein. Jerome
Robbins - responsável pela encenação em Nova Iorque, a nível
nacional e em Londres - assumiu a direcção com Robert Wise, ainda
produtor. Ernest Lehman concebeu a adaptação. A Academia rendeu-se
à interacção destes e outros génios e talentos, atribuindo dez
Oscars a West
Side Story
- entre os quais ao Filme, à Realização, à Música, à
Coreografia, à Fotografia colorida (Daniel L. Fapp), ao Guarda-Roupa
(Irene Sharaff), à Montagem (Thomas Stanford & Marshall M.
Borden) e aos Actores Secundários (Rita Moreno e George Chakiris).
CALENDÁRiO
1941-25JUN2012
- Nora Ephron: Argumentista e cineasta americana - «Elevou-nos a
todos, com uma sabedoria e uma sagacidade combinadas com um amor por
nós e pela vida… Foi uma jornalista / artista que sabia o que era
importante: como as coisas realmente funcionam, o que vale a pena,
quem é fascinante e porquê» (Tom Hanks). IMAG.323-341
17AGO1923-28JUN2012
- Robert Sabatier: Ficcionista e poeta francês, distinguido com o
Prémio Goncourt por Les
Allumets Suédoises (1969) -
«Escrevo por necessidade, para encontrar alguma coisa que ignoro».
28JUN-28OUT
2012 - Em Lisboa, Museu do Chiado expõe O
Modernismo Feliz: Art Déco Em Portugal 1912-1960,
sendo comissário Rui Afonso Santos.
10JUL-26AGO2012
- No Centro Cultural de Cascais, Fundação D. Luís I, Apenas Livros
e José de Matos-Cruz apresentam Entre:Visões
- O Infante Portugal e as Sombras Mutantes.
14NOV-15DEZ2012
- No Teatro da Politécnica, em Lisboa, Artistas Unidos expõe
Fracções de
José Francisco Azevedo e Ruth Rosengarten.
COROLÁRiO
Fracções
Dois
territórios pessoalíssimos. E uma multiplicidade de real invadida
de nostalgia.
Próximas
por intuição, as fotografias de José Francisco Azevedo e Ruth
Rosengarten vivem segundo o princípio de que só poeticamente se
está verdadeiramente no mundo.
Fracções
da existência. Como se o Tempo no-las deixasse ver uma última vez.
Emanuel
Cameira
MEMÓRIA
17ABR1923-2008
- Gianni Raimondi: Tenor lírico italiano, Prémio Caruso em 1990 -
«Podia não ter uma grande
voz, mas era excitante e de grande beleza, com um top
cálido, pastoso, gradevole
e um timbre homogéneo, cantando com um estilo elegante e um
fraseamento requintado e muito agradável» (Joern H. Anthonisen).
IMAG.222
20ABR1893-25DEZ1993
- Joan Miró: Pintor e escultor espanhol, nascido em Barcelona -
«Trabalhar muitíssimo e viver a vida, fazer um passeio na montanha
ou olhar uma bela mulher, ler um livro, ouvir um concerto: que isso
tudo alimente o meu espírito para que a sua voz se torne mais forte.
E, principalmente, queira Deus que não me falte a Santa Inquietude!
Graças a ela, os homens avançaram». IMAG.356
1911-20ABR1993
- Fortino Mario Alfonso Moreno Reyes, aliás Cantinflas: Actor e
humorista mexicano - «As pessoas deveriam rir-se mais, mas depois de
se terem alimentado».
21FEV1933-21ABR2003
- Eunice Kathleen Waymon, aliás Nina Simone: Compositora, pianista e
cantora americana, activista dos direitos humanos - «Vou dizer o que
significa liberdade para mim. Liberdade é realmente não sentir medo
de espécie alguma. Todos deveriam ser livres e, se não o formos, é
porque somos assassinos».
22ABR1923-2008
- Bettie Page: Pin-up
norte-americana, ícone e
modelo fotográfico - «Personificou
o estereótipo dos anos cinquenta e a sexualidade escondida por baixo
da superfície» (Karen Essex, James L. Swanson).
IMAG.6-193-229
COMENTÁRiO
AMOR
SEM BARREIRAS
Clássico
de vanguarda, em testemunho de uma geração rebelde, estilizado sob
o elã visionário e coreográfico, pelos cenários de Nova Iorque,
Amor Sem Barreiras / West Side
Story (1961) de Robert Wise &
Jerome Robbins sublima uma fusão do palco à tela, entre Broadway e
Hollywood…
West
Side é um bairro de Nova Iorque, estigmatizando-se as rivalidades e
os confrontos entre dois grupos de adolescentes marginais - os
italianos Jets, liderados por Riff; e os porto-riquenhos Sharks, cujo
chefe é Bernardo. Território neutral entre tais gangues, um ginásio
é o cenário onde desencadeiam as suas proezas atléticas e
baléticas, com um extraordinário virtuosismo plástico ou
dramático.
Então,
tudo se precipita quando Tony, um ex-parceiro de Riff, se apaixona
por Maria, a irmã de Bernardo. Elementos como rebeldia, racismo e
intolerância exorbitam-se numa tragédia romântica, moderna versão
do shakespeareano Romeu e
Julieta. Sob esta explícita
conturbação sociológica e poética, pelas ruas pobres de Manhattan
nos anos ’50 do Século XX, subjaz uma idealização crítica da
delinquência juvenil.
Originalmente,
Arthur Laurents previra opor na sua peça - em que o filme se baseia
- judeus e irlandeses, através da Big Apple, mas as guerras logo
delimitadas, entre latinos e caucasianos, determinaram a raiz
cultural de um choque étnico e singular. Em cinema, e apesar das
suas múltiplas funções, Robert Wise não interferiu na matriz
temática, preferindo abstrair os desafios inerentes a uma comédia
musical, que assim encarava
pela primeira vez.
Aliás,
Robert Wise não era inexperiente quanto ao género, para além de
uma carreira já veterana. De facto, iniciara-se nos departamentos de
som e música dos estúdios da RKO, acabando por participar na
finalização técnica de várias fitas com Fred Astaire & Ginger
Rogers. Porém, foi a evidência das dificuldades criativas, e da
própria evolução entretanto explorada, do palco à tela, a
suscitar dois realizadores.
Assim,
Jerome Robbins impôs para si um tal estatuto, a par com as tarefas
cenográficas. No entanto, sendo um cineasta em estreia, os custos e
ambições do projecto garantiram a coordenação por Robert Wise -
que acabou executando a rodagem, uma vez concluídas as cenas mais
espectaculares. A fusão visionária e catártica, entre ambos
lograda, sobrevém no prodigioso elã de Amor
Sem Barreiras, um clássico
moderno.
PARLATÓRiO
Seja
o que for que alguém possa concluir sobre a minha música, seja o
que for que alguém sinta por ela, saiba que a perturbação que ela
provoca é também parte da perturbação do ouvinte. Tudo o que se
ouve nessa música é absolutamente verdadeiro.
Jazz
é uma palavra branca para uma música negra.
Não
estou no meu país. Nasci aqui, nos EUA, mas este não é o meu lar.
Sinto estar à beira de ser crucificada aqui, só não sei dizer por
quem.
Toda
a minha vida desejei exprimir o meu sentimento de prisioneira, esse
silêncio atroz que transforma todos os negros em encarcerados.
O
que eu fiz não era música clássica, nem popular, mas música em
defesa dos direitos civis. Todos os meus amigos foram exilados ou
simplesmente assassinados. Eu ficava meio perdida, amarga, paranóica,
imaginando que poderia ser morta a qualquer momento.
Nina
Simone
INVENTÁRiO
Para
os envolvimentos românticos,
os anos ‘60 e ‘70 do Século XX foram de catástrofe no cinema
americano, quase provocando o trágico desaparecimento de um género
dos mais populares e genuínos - através de uma visão deprimente,
pessimista, quanto à relação entre o homem e a mulher. Mas as
estratégias de reciclagem suscitaram uma sobrevivência venturosa -
através de indícios, peripécias, rituais e símbolos que requintam
o elã tradicional do happy
ending.
Tal
reflecte-se, sobretudo, pela torturada psicologia dos intervenientes,
ou pelos dilemas em que a crise social impede um compromisso
explícito. É apenas sobrepondo adversidades, exorcizando conflitos,
que um precário casal se resgata, enfrentando os desafios do futuro.
Assim, os percalços de orientação e incomunicabilidade
sobrepõem-se, ao revelar Você
Tem Uma Mensagem (1998) de
Nora Ephron.
Tal
saga de heroismo e redenção, pela coragem de uma afirmação
sentimental, projecta-se sob os artifícios da comédia, reclamando a
eventual identificação pelo público. Filme que marcou esta
viragem, Um Amor Inevitável
(1989 - Rob Reiner) teve argumento de Nora Ephron - antiga jornalista
que alcançara sucesso, e prévia nomeação ao Oscar, com Silkwood
- Reacção em Cadeia (1983 -
Mike Nichols).
Entretanto,
Nora Ephron lançou-se como realizadora em This
Is My Life (1992), acentuando
os sinais vibráteis sob uma perspectiva e um protagonismo femininos.
O regresso seria em Sintonia
de Amor (1993) - aliando
trunfos inevitáveis,
para repetir o êxito primordial. Em seguida, Nora Ephron deu um
toque sobrenatural ao bizarro fascínio de Michael
(1996), um anjo na Terra e porventura demasiado humano...
Uma
dupla referência cinéfila assinala Você
Tem Uma Mensagem. Logo o
reencontro de Meg Ryan com Tom Hanks - que encarnaram o sucesso e o
culto, em Sintonia de Amor,
após o malogro partilhado de Joe
Contra o Vulcão (1990 - John
Patrick Shanley). A versatilidade de ambos, em talento e sedução,
logra para Hollywood um envolvimento cuja carisma é reforçada com
alquimia e cumplicidade.
Por
outro lado, trata-se de uma remake
sobre A
Loja da Esquina (1940 - Ernst
Lubitsch), tendo Nora & Delia Ephron adaptado o argumento de
Samson Raphelson, sobre a peça Parfumerie
por Miklos Laszlo. A actual tecnologia estiliza um sortilégio
convencional, pois o correio electrónico é especialmente endereçado
aos corações solitários - que podem, até, habitar uma metrópole
como Nova Iorque.
No
sofisticado Upper West Side, são assim Kathleen Kelly - que herdou
um pequena livraria; e Joe Fox - proprietário de muitas, que se
prepara para abater a concorrência. Mas, sem que nenhum deles saiba,
o outro é o parceiro e confidente - ao viajarem pelas estradas
virtuais, escapando à rotina afectiva e profissional... Quando,
finalmente, se desvendam, resta-lhes enfrentar os caprichos da
felicidade!
BREVIÁRiO
20th
Century Fox edita em DVD e Blu-Ray, Amor
Sem Barreiras / West Side Story
(1961) de Robert Wise & Jerome Robbins; com Natalie Wood e
Richard Beymer.
Sony
Music edita em CD, The
Very Best of Nina Simone (1933-2003).
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