quarta-feira, dezembro 27, 2017

IMAGINÁRiO #429

José de Matos-Cruz | 01 Agosto 2013 | Edição Kafre | Ano X – Semanal – Fundado em 2004

PRONTUÁRiO

SILÊNCIO
Nunca o cinema foi silencioso, mesmo durante o período mudo. E, no entanto, em nenhum espectáculo se tornaria o silêncio tão sugestivo e apelativo, em presenças ou ausências. Na primeira década do Século XX, a música funcionou como um complemento mecânico, ou um aleatório acompanhamento, manifesto durante as sessões públicas. Para os actores, através de uma mera colagem ao ecrã das imagens animadas, literalmente ilustrativa, a representação implicava, sobretudo, uma improvisação. Considerando, no entanto, códigos e significados primários, a transmitir ao público - como o êxtase, o riso, o medo, uma ameaça - a que os acordes melódicos conferiam expressão alusiva. Quando o cinema adquiriu consistência como entretenimento, era através dos seus arquétipos, formalismos ou convenções que se acentuava a acção ou emocionavam as pessoas. The Lodger (1926) de Alfred Hitchcock é considerado o filme mais ruidoso de todo o mudo. A imagem torna-se tão impressionante que, de certo modo, faz estalar a tela silenciosa. Hitchcok recorreria, com talento e frequência, ao que definiu como «o som da agonia», sendo Os Pássaros / The Birds (1963) um exemplo primordial. Por fim, quando as aves predominam, até onde a vista alcança, o silêncio reina - não «um silêncio qualquer, mas um silêncio de uma tal monotonia, que pudesse evocar o ruído do mar, sempre que se ouve muito ao longe».

CALENDÁRiO

03AGO2012 - A revista inglesa Sight and Sound, do British Film Institute, elege A Mulher Que Viveu Duas Vezes / Vertigo (1958), de Alfred Hitchcock, «o melhor filme de todos os tempos», através de uma sondagem entre 846 críticos e especialistas na área do cinema, tomando por critérios a relevância histórica, o sentido estético e o impacto pessoal.

12SET2012 - Em Lisboa, no Terreiro do Paço, Lisbon Story Center expõe Memórias da Cidade.

1917-27SET2012 - Herbert Charles Angelo Kuchacevich von Schluderbacheru, aliás Herbert Lom: Actor inglês de origem austro-húngara, personificou o Comissário Charles Dreyfus na série A Pantera Cor-de-Rosa (a partir de 1964), sendo protagonista Peter Sellers - «Ele era uma pessoa magnífica, mas muito cruel com as crianças. Comigo, acontece o contrário. São os meus filhos que me tratam mal» (2004).

27SET2012 - ZON Audiovisuais estreia Dredd de Pete Travis; com Karl Urban e Lena Headey, transposição da saga em quadradinhos Judge Dredd (1977) de John Wagner & Carlos Ezquerra.
28SET2012 - Aos 71 anos, Augusto Cid assina o seu último cartoon no semanário Sol, pondo fim a uma carreira com quatro decénios de colaboração na imprensa, para dedicar-se por inteiro à escultura. IMAG.45-197-252-279-292

28SET2012 - No Crato, Mosteiro de Santa Maria da Flor da Rosa apresenta Deus e os Demónios - O Fantástico e o Misterioso Na Escultura Românica Em Portugal, exposição de fotografia de Adalrich Malzbender.

12OUT-30DEZ2012 - No Centro Cultural de Cascais, Fundação D. Luís I apresenta, com Embaixada da República da Polónia e Pelouro da Cultura da Câmara Municipal de Cascais, A Metáfora No Cartaz e No Desenho de Marian Nowinski.

26OUT-11NOV2012 - Na Amadora, decorre 23º Festival Internacional de Banda Desenhada - Amadora Bd 2012, tendo por tema central a Autobiografia.

INVENTÁRiO

A LEI DE DREDD

América, em 2139. Uma sociedade devastada pela violência e a alienação, a degradação e a miséria, a anarquia e a sobrepopulação. Por Ordem Presidencial, o Departamento de Justiça converteu-se em Julgado. Em Mega-City One - urbe com oitocentos milhões de habitantes - Dredd estabelece a lei das ruas, expondo-se como polícia-juíz-exterminador. Patrulheiro montando a mota Lawmaster, vigilante totalitarista e marcialmente armado. Numa vertigem apocalíptica - entre a ordem civil e o paroxismo belicista - debatem-se a insurreição popular, a corrupção criminal e a perversão científica…
A Lei de Dredd / Judge Dredd (EUA - 1995) é uma transposição para o cinema - com realização de Danny Cannon - sobre Judge Dredd (1977), saga em quadradinhos de John Wagner & Carlos Ezquerra, sob chancela Fleetway (GB). De imediato, o culto expandiu-se nos Estados Unidos, por DC Comics. Astro emblemático, intrépido mas monolítico, Sylvester Stallone - ao lado de Diane Lane - converteu-se em ícone ideal para assumir tal anti-herói, de distorcido humor e expiação exacerbada.

TRAJECTÓRiA

O CINEASTA QUE SABIA DEMAIS

Um dos maiores criadores da indústria cinematográfica anglo-americana, Alfred Joseph Hitchcock faleceu em Los Angeles, a 20 de Abril de 1980. Artista controverso, é unanimemente considerado o mestre do suspense - um dos raros realizadores que o público reconhece, como a personificação de um estilo. Nascido em Londres, a 13 de Agosto de 1899, descendente de uma família burguesa, e tendo rígida formação católica, Hitchcock - cedo fascinado pelo animatógrafo - iniciou-se em 1920, a partir da base: desenhando intertítulos para filmes mudos. Dois anos depois, dirigiu Number Thirteen (inacabado) e, em 1929, o primeiro filme sonoro britânico: Blackmail. Tendo partido, pouco antes da II Grande Guerra, para Hollywood, Hitchcock privilegiava o elemento visual. Era hábil em todas as fases da feitura - do argumento à fotografia, da direcção de actores à montagem, da comercialização ao lançamento publicitário. Caracterizando-se pela busca incessante de novos meios de expressão, pela constante renovação técnica e artística, que adaptava à sua peculiar criatividade, a partir de 1953 passou a usar a cor. Entre os seus tópicos de referência, sobressaem a dialéctica entre aparência e realidade, a atmosfera de culpa, o terror psicológico, a sofisticação da intriga, uma identidade ambígua, a angústia perversa, o artificialismo mórbido, o humor sarcástico.

COMENTÁRiO

François Truffaut: …Volto um pouco atrás na conversa, porque o senhor ia dizer qualquer coisa sobre o realismo do enquadramento, e o estado de espírito no plateau... Eu interrompi-o...
Alfred Hitchcock: Ah, sim! Estou de acordo consigo: muitos cineastas preocupam-se com o plateau no seu conjunto, e a atmosfera de rodagem; no entanto, só deveriam ter uma ideia em consideração: o que aparecerá na tela. Como você sabe, eu nunca olho pelo visor, mas o operador de imagem sabe muito bem que não quero espaço em redor das personagens, e que lhe compete reproduzir fielmente os desenhos que levamos preparados. Nunca nos devemos impressionar com o espaço que a câmara é capaz de captar, pois o principal é sabermos que, para obter a imagem final, podemos pegar numa tesoura e cortar o que está a mais, o espaço inútil. Outro aspecto ligado a esta questão, é que convém não malbaratar esse espaço, pois poderemos, sempre, servir-nos dele em termos dramáticos. Por exemplo, em The Birds, quando os pássaros atacam a casa protegida, e Melanie se lança para trás de um sofá, eu mantive a câmara bastante longe dela e servi-me do espaço para sugerir o vazio, o nada perante o qual ela assim recua. Depois, introduzi uma variante, quando virei a câmara para ela, mas colocando-a bastante alta, para dar a sensação de angústia em crescendo. E, por último, há um terceiro movimento, que consta do seguinte: para cima, e em redor. Mas, o importante era o grande espaço do princípio. Se tivesse filmado, logo de início, junto da rapariga, dar-se-ia a impressão de que ela estava a retroceder ante um perigo que estaria a ver, mas oculto ao público. Porém, eu pretendia mostrar que recuava por força de um perigo que não existia, e, daí, o recurso a todo esse espaço diante dela. Pois bem, os realizadores cujo trabalho consiste, simplesmente, em posicionar os actores diante do cenário, e que colocam a câmara a uma distância maior ou menor, consoante as personagens estão sentadas, de pé ou deitadas, o que eles fazem é confundir as ideias, e o seu trabalho nunca é explícito, pois não significa nada.
François Truffaut
- O Cinema de Alfred Hitchcock

PARLATÓRiO

A propósito da relação entre música e cinema, creio que a mesma suscita casamentos muitas vezes fracassados - mas, quando resultam, tornam-se mágicos. Mágicos, porque significam o encontro de dois meios de expressão muito concomitantes, embora pudessem considerar-se extraordinariamente diferentes: a música parece ser um meio abstracto, etéreo, enquanto o cinema se diria, pelo contrário, concreto e realista, o que não é verdade. Trata-se de um falso realismo absoluto, o último aspecto do efeito do real, mas não certamente de realismo. Pouco a pouco, reflectindo, eu, que cheguei ao cinema através da música, apercebi-me de que estas duas artes se exprimem pela duração: há, efectivamente, uma duração obrigatória; escutamos um bloco de música do princípio ao fim, não paramos a meio. Tal como é normal não se ficar a meio, no visionamento de um filme. Enquanto artes ligadas à duração, utilizam antes de mais o ritmo. Eu faço filmes com argumentos, com teses, com personagens, mas não são mais que pretextos: a finalidade é completamente impalpável, pois ela concretiza-se ao longo do plano. Basta ter um plano da actriz que dure um pouco mais, e toda a temática se altera. Para lograr a fusão música-imagem, é necessária uma conjunção evidente; mas dificilmente esta se consegue.

MEMÓRiA

01AGO1933-2009 - Dom DeLuise: Actor americano - «Um grande homem, em todos os aspectos. Era grande em tamanho e, como actor, gerava grande alegria e grandes gargalhadas» (Mel Brooks). IMAG.249

07AGO1943-2010 - Alain Corneau: Cineasta francês - «Até agora, nunca comecei um filme sem ter a ideia precisa de uma música pré-existente, ou de um músico com quem falei previamente. Mesmo tratando-se de uma banda sonora original, preocupei-me sempre em ter a música antes, com a possibilidade de a transformar mais tarde». IMAG.323

BREVIÁRiO

Universal edita em DVD, Os Pássaros / The Birds (1963) de Alfred Hitchcock; com Rod Taylor e Tippi Hedren.
IMAG.3-4-14-19-26-29-44-48-49-51-71-85-111-112-142-146-163-168-179-188-191-238-271-280-283-288-307-312-327-351-354-377-381-384-386-428

Estampa edita D. Manuel II e D. Amélia - Cartas Inéditas do Exílio de Fernando Amaro Monteiro.

Antígona edita Religião, República, Educação - Antologia de Tomás da Fonseca (1877-1968). IMAG.122 -292-303

Sem comentários:

Enviar um comentário