segunda-feira, novembro 27, 2017

IMAGINÁRiO #408

José de Matos-Cruz | 24 Fevereiro 2013 | Edição Kafre | Ano X – Semanal – Fundado em 2004


PRONTUÁRiO

SEGREDOS
Numa manhã, pelo início de 1944, a Gestapo e soldados alemães penetram num colégio católico da França ocupada, prendendo três miúdos judeus, estudantes sob falsa identidade, e o padre responsável. A acção proviera da denúncia de um mancebo que ali trabalhava, tendo sido expulso por se dedicar ao mercado negro. Os detidos morreram em campos de concentração nazis… Quarenta e quatro anos depois, surgia Adeus, Rapazes / Au Revoir, les Enfants (1987), filme de Louis Malle (1932-1995) - um outro antigo aluno que estabelecera, com uma das vítimas, a amizade particular de adolescentes. Entre a cumplicidade, o fascínio e o resguardo, o cineasta desvenda tal passado de tragédia, impotência, angústia, perplexidade, aliando memórias traumáticas que se fundem com uma emotiva imaginação, através de testemunho solene mas assombrador, na própria irreversibilidade da História. O Leão de Ouro no Festival de Veneza, e um cúmulo de sete Cesars, sagrariam o prestígio deste símbolo europeu do fenómeno das coproduções (entre França, Alemanha e Itália).

CALENDÁRiO

1935-02MAI2012 - Fernando Lopes: Realizador português, entre os representantes do Novo Cinema - «Um vulto incontornável da cultura portuguesa: a sua cultura política e literária, a sua dignidade, a sua gentileza de espírito mas também a sua implacabilidade…» (Baptista-Bastos».  
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03MAI2012 - ZON Audiovisuais estreia A Teia de Gelo de Nicolau Breyner; com Diogo Morgado e Paula Lobo Antunes.  
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MEMÓRiA

30OUT1932-1995 - Louis Malle: Realizador, argumentista e produtor francês, do cinema internacional - «Nos meus filmes, interesso-me por personagens que se encontram numa situação em que contende algo de superior, acabando por desviá-las do seu caminho».IMAG.392

1911-25FEV1983 - Thomas Lanier Williams, aliás Tennessee Williams: Ficcionista e dramaturgo americano - «Há um tempo para partir, mesmo quando não há um lugar certo para onde ir». IMAG.20-253-315

27FEV1933-1978 - Ruy Belo: Poeta e ensaísta português - «Mesmo que não conheças nem o mês nem o lugar / caminha para o mar pelo verão». IMAG.190-332

28FEV1533-1592 - Michel de Montaigne: Escritor francês, ensaísta - «Preparamo-nos para as circunstâncias eminentes, mais por glória do que por consciência. A maneira mais curta de alcançar a glória seria fazer por consciência o que fazemos pela glória». IMAG.386-389

28FEV1823-1892 - Ernest Renan: Escritor e historiador holandês - «A ciência permanecerá sempre a satisfação do desejo mais alto da nossa natureza, a curiosidade; fornecerá sempre ao homem o único meio que ele possui de melhorar a própria sorte». IMAG.389-396

28FEV1903-1986 - Lester Anthony Minnelli, aliás Vincent Minnelli: Cineasta e encenador americano - «Gosto de definir certos limites para a improvisação, porque a chamada química entre os actores pode fazer com que a história acabe por não funcionar».

VISTORiA

E Tudo Era Possível

Na minha juventude antes de ter saído
da casa de meus pais disposto a viajar
eu conhecia já o rebentar do mar
das páginas dos livros que já tinha lido

Chegava o mês de maio era tudo florido
o rolo das manhãs punha-se a circular
e era só ouvir o sonhador falar
da vida como se ela houvesse acontecido


E tudo se passava numa outra vida
e havia para as coisas sempre uma saída
Quando foi isso? Eu próprio não o sei dizer

Só sei que tinha o poder duma criança
entre as coisas e mim havia vizinhança
e tudo era possível era só querer
Ruy Belo - Homem de Palavra[s]

VISTORiA

A Vantagem do Espírito Simples

É verdade que, para uso na vida e para o serviço dos negócios públicos, pode haver excesso na pureza e perspicácia dos nossos espíritos; essa clareza penetrante tem demasiada subtileza e precisão. É preciso entorpecê-los e embotá-los, para os tornar mais dóceis ao exemplo e à prática; e espessá-los e obscurecê-los, para os harmonizar com esta vida escura e terrestre. Por isso os espíritos comuns e menos atentos mostram-se mais apropriados e mais bem sucedidos para conduzir assuntos públicos. E as ideias elevadas e refinadas da filosofia mostram-se ineptas na prática.
Essa aguda vivacidade de alma e essa mobilidade flexível e agitada perturbam as nossas negociações. É preciso manejar os empreendimentos humanos de modo mais grosseiro e superficial, e deixar boa e grande parte deles para os direitos da fortuna. Não é necessário examinar os negócios de maneira tão profunda e subtil. Nisso nos perdemos, ao considerar tantos aspectos opostos e formas diversas: De tanto pesar motivos contraditórios, os seus espíritos haviam-se paralisado (Tito Lívio).
Quem procura e abarca todas as circunstâncias e todas consequências atrapalha a decisão. Uma inteligência mediana guia da mesma forma, e basta para as tarefas de muito e de pouco peso. Observai que os melhores administradores são os que menos nos sabem dizer como o são, e que quase sempre os mais hábeis economistas nada fazem que valha.
Michel de Montaigne
- Ensaios (excerto)

A decadência moral da América começou, na verdade, com a Guerra da Coreia, muito antes do assassinato de Kennedy. A razão principal de nos termos envolvido no Vietname foi evitar que equipamentos de dois milhões de dólares fossem destruídos e tivessem que ser comprados outra vez. Somos os mercadores da morte no mundo, esta outrora grande e bela democracia. Acham que sou comunista, mas eu detesto todos os tipos de burocracia, todos os ismos. Sou um revolucionário, apenas, no sentido de querer escapar a esse tipo de armadilha.
Tennessee Williams
- Conversations (excerto)
COMENTÁRiO

As extensões e as correspondências entre ficção e documentarismo constituem um dos nexos mais sugestivos do cinema de Fernando Lopes, enquanto reflexo de um envolvimento que a realidade e o imaginário suscitam - sobre uma linguagem audiovisual, sua expressão dinâmica e testemunhadora. Em Matar Saudades (1987) confluem ou contrastam-se todas essas incidências ou implicações: melodrama passional, solidão e desenraizamento, transformações sociais e comunitárias, tradição e preconceitos, como que condensados pela vertigem de um fotograma - simultaneamente positivo e negativo, sobreexposto ao transe da consciência, aos dilemas de uma identidade colectiva, em momento de viragem histórica e nacional. Atormentado com as notícias que um irmão lhe enviou da terra, segundo as quais a mulher «anda metida» com outros homens, um emigrante em França regressa furtivamente a Portugal, movido pela intenção obsessiva de fazer justiça. A chegada à aldeia e o assédio a Teresa agravam a perplexidade e a impotência Abel: a vivência e os locais alteraram-se, até as pessoas estão diferentes... Rogério Samora, Teresa Madruga, Eunice Muñoz e Pedro Efe destacam-se no elenco, tendo a rodagem decorrido em Valpaços, Sonim, e Vilar Formoso.

BREVIÁRiO

Avalon/FNAC edita em DVD, Adeus, Rapazes / Au Revoir, les Enfants (1987) de Louis Malle; com Gaspard Manesse e Francine Racette.

Relógio D’Água edita O Arranca Corações de Boris Vian (1920-1959); tradução de Luíza Neto Jorge. IMAG.231-286-289-310-342

Sony edita em CD, Il Progetto [Antonio] Vivaldi [1678-1741] 2 pela violoncelista Sol Gabetta, com Cappella Gabetta sob a direcção do violinista Andres Gabetta. IMAG.169-205-209-254-265-284-294-332

Âncora edita Amália [Rodrigues - 1920-1999] - Confidências Em Noite de Primavera de Luís Machado.
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Naxos edita em CD, Dmitri Shostakovich [1906-1975] - Simphony Nº 6, Simphony Nº 12 - The Year 1917 por Royal Liverpool Philharmonic Orchestra, sob a direcção de Vasily Petrenko. IMAG.100-266

Dom Quixote edita Vida e Destino de Vassili Grossman (1905-1964); tradução de Nina Guerra e Filipe Guerra.

Megamúsica edita em CD, sob chancela Alia Vox, La Sublime Porte - Voix d’Istanbul 1430-1750 por Montserrat Figueras com Hespèrion XXI, sob a direcção de Jordi Savall. IMAG.229-344-360

EXTRAORDINÁRiO

OS ALTERNATIVOS - Folhetim Aperiódico

QUANDO A NOITE ESTÁ PARADA VÃO-SE OS VENTOS DE MUDANÇA - 7

Ambos sem pais aparentes, e desditosos com os parentes.
Ela, educada pela tia Elvira que, lançando um lenço ao pescoço, não conseguira asfixiar-se, mas caiu da cadeira, do que lhe resultou ficar muito maltratada. Que dores lhe alanceariam o peito?
Ele, afilhado de um certo industrial Felner que, acusado de falcatrua, o júri não lhe encontrou criminalidade, tendo-o portanto absolvido. Porém, foi acometido de um fatal insulto apoplético.
Continua

domingo, novembro 26, 2017

IMAGINÁRiO #407

José de Matos-Cruz | 16 Fevereiro 2013 | Edição Kafre | Ano X – Semanal – Fundado em 2004


PRONTUÁRiO

PRODUÇÕES
Paixão e mérito, além de uma escrupulosa inventariação, caracterizam O Cinema Em Portugal - Os Documentários Industriais de 1933 a 1985 de Paulo Miguel Martins, cuja publicação - sob chancela da INCM/Imprensa Nacional-Casa da Moeda, com a Fundação Para a Ciência e a Tecnologia/FCT - não só é estimável, para o enriquecimento bibliográfico sobre a história da nossa cinematografia, mas também fundamental para a identificação e o conhecimento de uma área da produção fílmica com significativa expressão. Assim, Paulo Miguel Martins reúne informação imprescindível sobre as obras, distingue a sua importância vária e essencial, analisa com detalhe crítico e uma contrastada caracterização a abordagem documental, em suas diversas vertentes ou nos distintos focos temáticos. Além da relevância dos anexos, e conciliando memória ou homenagem, sobre os realizadores e as diversas entidades envolvidas, retratam-se - afinal - «aspectos da realidade social, económica, empresarial e cultural de um país, constituindo um vasto campo de investigação», apoiado por depoimentos de protagonistas desta peculiar aventura da nossa sétima arte.

MEMÓRiA

16FEV1923-2012 - Fernando Lanhas: Pintor e arquitecto português - «Era um homem de ciência e de cultura no sentido mais amplo» (Fernando Guedes). IMAG.395

17FEV1563 - Morre D. Leonor de Noronha - nascida em Évora, por 1488, filha do 2º Marquês de Vila Real, D. Fernando de Menezes, e de D. Maria Freire de Andrade - autora de Tratados Sobre o Mistério da Paixão, Sobre o Mistério da Transubstanciação, Sobre a Oração Dominical, Sobre Job, Sobre o Princípio da Nova Redenção e de Tradução das Eneidas de Marcantonio Cocci Sabellico.

19FEV1743-1805 - Luigi Boccherini: Compositor italiano - «Com infindável variedade, soube manter os ouvintes interessados, ainda que tenha recorrido a meios menos espectaculares do que aqueles usados por Haydn» (Ana Rocha). IMAG.399

21FEV1863-1940 - Carlos Reis: Pintor naturalista e histórico, retratista, professor, criou o Grupo Ar Livre - mais tarde, Grupo Silva Porto - no qual reuniu colegas e estudantes em busca de lugares pitorescos para exercerem sua arte. IMAG.287

21FEV1903-1977 - Angela Anaïs Juana Antolina Rosa Edelmira Nin y Culmell, aliás Anaïs Nin: Escritora francesa, de família cubana - «O erotismo é uma das bases do conhecimento de nós próprios, tão indispensável como a poesia». IMAG.114-279

1929-21FEV1953 - Guillermo Cabrera Infante: Escritor de origem cubana, radicado em Inglaterra - «A minha ideia de felicidade é estar sentado sozinho no vestíbulo de um velho hotel depois de um jantar tardio… É então que, na obscuridade, fumo em paz o meu charuto» (Fumo Sagrado - 1984). IMAG.28-303

23FEV1613 - Morre Frei Manuel Rodrigues, nascido em Estremoz, no ano de 1545, escritor e teólogo, autor de Explicacion de la Bulla de la Sancta Cruzada y de las Clausulas de los Iubileos y Confessionarios Que Ordinariamente Suele Conceder Su Sanctidad (1593).

24FEV1843-1924 - Joaquim Teófilo Braga: Escritor e filósofo português, segundo Presidente da República (1915) - «A alma portuguesa caracteriza-se pelas manifestações seculares persistentes do tipo antropológico e étnico, que se mantêm desde as incursões dos Celtas e lutas contra a conquista dos Romanos até à resistência diante das invasões da orgia militar napoleónica. São as suas feições» (Viriato - 1904). IMAG.214-263-270-293

VISTORiA

A Um Crucifixo

Pregado em uma cruz de ébano expira!
O alvor do corpo de marfim deslumbra
A vista que divaga na penumbra
Dentro da cela aonde a alma lá suspira.

Cada pisada chaga é de safira;
Reluz na sombra que o altar obumbra!
São alforges as lágrimas... Ressumbra
Em tudo a dor que em êxtase delira.

Doce Jesus! sem conhecer a vida,
E sem saber porquê, na flor da idade,
Chora a teus pés a infância amortecida:

Ver perder-se a alegria, a mocidade,
Ou ver-te exangue n’essa cruz erguida,
Qual fará, bom Jesus, mais piedade?
Teófilo Braga
- Visão dos Tempos (1895)

VISTORiA

Um homem jamais pode entender o tipo de solidão que uma mulher experimenta. Um homem deita-se sobre o útero da mulher apenas para se fortalecer, ele nutre-se desta fusão, ergue-se e parte para o mundo, para o seu trabalho, para a sua batalha, para a sua arte. Ele não é solitário. Ele é ocupado. A memória de nadar no líquido aminótico dá-lhe energia, completude. A mulher pode também ser ocupada, mas ela sente-se vazia. Sensualidade, para ela, não é apenas uma onda de prazer em que ela se banhou, uma carga eléctrica de prazer no contacto com outra. Quando o homem se deita sobre o útero dela, ela é preenchida. Cada acto de amor, ter o homem dentro dela, um acto de nascer e renascer, carregar uma criança e carregar um homem. Sempre que o homem se deita no seu útero, renova-se no desejo de agir, de ser. Mas para uma mulher, o clímax não é o nascimento, mas o momento em que o homem descansa dentro dela.
Anaïs Nin

PARLATÓRiO

De minhas influências literárias talvez a maior tenha sido o cinema. Entre as extra-literárias posso nomear uma infância pobre e feliz, uma adolescência infeliz e pobre, e já de adulto: a timidez, o exibicionismo, a fluência, a gagueira, o talento, as respostas da escada, a coragem, a covardia, a facilidade para brincar com as palavras, a dificuldade para me expressar, a vontade de contar contos, detestar a literatura narrativa, a linguagem, o silêncio, o amor, as mulheres, o medo do sexo, a obsessão pelo sexo, a sensualidade, a noite, os terrores noturnos, o medo de sonho, os sonhos, a memória, a nostalgia que é a metafísica da recordação, o esquecimento, a vontade de viver, o medo de viver, o ódio e a pena pelos mortos, a fascinação da morte, a imitação, o afã de originalidade e se o espaço me condenasse a uma só palavra diria o ser - para imediatamente acrescentar, mas também o nada.
Guillermo Cabrera Infante
MAR/ABR2006 - Agulha - Nº 50 (Brasil)

CALENDÁRiO

31MAR-17JUN2012 - Em Coimbra, Centro de Artes Visuais, Colégio das Artes e Círculo de Artes Plásticas exibem / expõem O Mapa do Mar de Fernando Calhau (1948-2002), sendo comissários Delfim Sardo e Ana Anacleto. IMAG.165

05NOV1933-14ABR2012 - Paulo Cezar Saraceni: Realizador brasileiro ligado ao Cinema Novo, director e produtor de Capitu (1967) - «Além de lindo, charmoso e talentosíssimo, ele era um doido, no melhor sentido da palavra. Perdemos um doido, livre e genial combatente cultural» (Vânia Catani).

19ABR2012 - Columbia TriStar Warner estreia Assim, Assim… de Sérgio Graciano; com Albano JerónimoAna Brandão.

19ABR2012 - ZON Audiovisuais estreia Capitães da Areia de Cecília Amado e Guy Gonçalves; co-produção luso-brasileira sobre a obra de Jorge Amado (1912-2001), com Ana GracielaIsrael Gouvea. IMAG.333-382-405

21ABR2012 - António Jorge Gonçalves é distinguido na oitava edição do World Press Cartoon, que decorre em Sintra, com Menção Honrosa / Cartoon Editorial por Revolução - Imigração (O Inimigo Público - 09ABR2011).  
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21ABR2012 - No Centro Cultural de Cascais, Fundação D. Luís I apresenta Exposição de Pintura e Desenho de Paisagem - com Estudo Sobre a Paisagem de Luís Valente e Árvores Espontâneas de Susana Tereso - no âmbito de LandArt Cascais 2012, em organização da Câmara Municipal de Cascais entre 14ABR-01JUL.

 04MAI2012 - Biblioteca Municipal de São Domingos de Rana, em Cascais, expõe Branquinho da Fonseca [1905-1974] - Um Escritor Na Biblioteca. IMAG.131

04MAI-03JUN2012 - Em Lisboa, Sala do Risco apresenta Uma Intervenção Na Actualidade Portuguesa, exposição colectiva e multicriativa de Ana Boavida, André Ruivo, Bela Silva, Célia Conceição, Filipa Ricardo, Gaëlle Istanbul, João Madeira, João Paulo Cotrim, Paulo Freitas, Pedro Burgos, Pedro Fróis Meneses, Renato Silva, Rita Neves, Rita Madeira, Sónia Figueirinhas, Sílvia Estiveira, Susana António, Susana Gama e Susana Villar.

11MAI-08JUN2012 - No Centro Cultural de Cascais, Fundação D. Luís I expõe Fabuleira de Ema M.

12MAI-13JUN2012 - Câmara Municipal de Cascais apresenta, com Fundação D. Luís I e Agência Cascais Atlântico, a 4ª Edição da Exposição / Concurso Internacional de Escultura - ArteMar Estoril 2012.

INVENTÁRiO

FABULEIRA


A exposição da artista plástica Ema M, intitulada Fabuleira, é composta por vários polípticos e dez grupos temáticos (pintura) em que propostas ecológicas, livrescas, medievais ou de pormenor simbolicamente representado, dão corpo às ideias da autora.
A crítica de arte Maria Augusta Babo refere, a dado passo: «A pintura de Ema M é fértil em convocações que se dão como possíveis chaves condutoras. São elas, ao acaso, o livro e a leitura, a escrita e o desenho, os abecedários e os bestiários, a ilustração e o ficcional; mas também os sentidos, os gestos, a temporalidade e o momento fugidio. Daí que a sua pintura seja, ao mesmo tempo, extremamente límpida e particularmente espessa nas suas remissões, nos reenvios que faz à própria história do romance e da pintura, no diálogo que estabelece entre a escrita e o seu suporte.»
Ema M nasceu em Torres Vedras em 1976. Com licenciatura e mestrado em pintura pela Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa, é doutoranda na mesma Faculdade. Esta é a sua nona exposição individual, tendo participado em diversas colectivas em Portugal e no estrangeiro.

sexta-feira, novembro 24, 2017

IMAGINÁRiO #406

José de Matos-Cruz | 08 Fevereiro 2013 | Edição Kafre | Ano X – Semanal – Fundado em 2004

PRONTUÁRiO

TRANSCENDÊNCIAS
No sétimo ano do reinado de César Augusto, o príncipe Judah Ben-Hur nasce no seio duma próspera família judia, na mesma altura que Jesus Cristo. Muito tempo depois, reencontra Messala, seu amigo de infância, agora comandante da guarnição romana de Jerusalém. Quando Ben-Hur recusa denunciar outros compatriotas, Messala condena-o à morte certa nas galeras de escravos, e lança as suas mãe e irmã, Miriam e Tirzah, nos calabouços lúgubres. Durante trinta e seis meses, Ben-Hur sofre a brutalidade da marinha imperial, até ser libertado, adoptado e reconduzido a Roma por Quintus Arrius, um almirante a quem salvou a vida em batalha. Embora louvado como atleta, e desejado por Flavia, uma libertina, Ben-Hur insiste em voltar a Jerusalém, para seguir a pista da família. No caminho encontra o xeique Ilderim, um árabe requintado, que planeia desafiar as quadrigas romanas, nos jogos de Jerusalém…
Eis Ben-Hur (1959) de William Wyler, baseado no romance A Tale of the Christ, escrito por Lew Wallace em 1880. Académico mas emocionante, o espectáculo mais caro até então, sob o signo de Hollywood.

VISTORiA

Harpagão só (passeando dessossegado de um lado para o outro)
Que inferno é ter cabedais!
Quando a gente os encafua,
sempre os supõe bem guardados;
mas em saindo de ao pé,
são logo dez mil cuidados!
Eu cá, perco o sono até.
Se alguém mos aventaria!
Se adivinhassem! sei lá!
há tantos exemplos! se há!
E enquanto a gente vigia,
inda lá vai; mas dormindo,
não ’stá o que é meu sem dono?
e não pode ir algum mono
atabafar-mo? era lindo!
Que tal não ficava um homem,
se acordando antes do dia,
coas ralações que o consomem,
achasse a caixa vazia!!
Era logo pendurar-se,
Deus me perdoe!

Se eu pudesse
pôr tudo, muito ao disfarce,
fora a render! sim, se houvesse
certeza de algum banqueiro,
que não pudesse quebrar...
Mas qual! maldito dinheiro!
como és ruim de guardar!!

Dizem então: «burras! burras!
casa-forte chapeada!»
providências de caturras
que não pescam disto nada.
As burras e casa-forte
são até um chamariz...
Valha-me Deus! triste sorte
a de quem julgam feliz!

Tenho um milhão a render
no banco inglês; mas se a guerra
toda essa Europa envolver,
não pode ir o banco a terra?
Então, se estourando as silhas
a burra mãe me abalar,
poder-me-ei sequer tornar
a estas burrinhas filhas.
Por isso vou enterrando
já num, já noutro lugar;
isto é: vou multiplicando
razões de me atormentar.

E este meu costumezinho
de falar alto comigo!
nem que às vezes um vizinho
não possa ouvir o que eu digo!
Molière - O Avarento (Acto 1º, Cena IV)
- Tradução de António Feliciano de Castilho

BREVIÁRiO

Warner / ZON Lusomundo edita em DVD, Ben-Hur (1959) de William Wyler; com Charlton Heston e Stephen Boyd. IMAG.50-248

Texto edita D. Pedro V - Um Homem e Um Rei de Ruben Andresen Leitão (1920-1975). IMAG.52

EMI edita em CD, The Callas Effect por Maria Callas (1923-1977). IMAG.31-147-188-207

TRAJECTÓRiA

O Legado do Grande Compositor

A música de Richard Wagner (1813-1883) não deixa ninguém indiferente. A longa duração das óperas pode intimidar, mas o seu génio influenciou a quase totalidade dos compositores posteriores. As obras mais famosas de Wagner incluem O Holandês Voador, Tristão e Isolda, Os Mestres Cantores de Nuremberga, Parsifal e, acima de tudo, o ciclo de O Anel do Nibelungo. Wagner foi muito famoso durante a vida, um intenso nacionalista germânico, que escrevia a música, mas também os libretos. Em 1876, concretizou financiamentos e apoios para erigir um teatro em Bayreuth, vocacionado para a sua obra.
24JUL2009 - Diário de Notícias

MEMÓRiA

10FEV1923-2010 - Cesare Siepi: Cantor lírico italiano, basso - «Um dos mais notáveis Don Giovanni [de Mozart] que tive o privilégio de escutar» (Bernard Levin). IMAG.317

11FEV1853-1932 - Artur Loureiro - Artista plástico, natural do Porto - «Olhando para o percurso do artista vemos como, saindo de Portugal, ele imediatamente se identificou com o naturalismo dominante, mantendo uma atenção constante a possibilidades simbolistas que importou depois para a Austrália, num gosto fim de século bem afirmado que manteve depois no ambiente que soube criar na sua escola especial de desenho para senhoras no Porto (José Luís Porfírio). IMAG.340-377

22MAI1813-13FEV1883 - Richard Wagner: Maestro e compositor alemão - «Herr Richard Wagner de Leipzig é um jovem compositor que tem não somente uma sólida educação musical mas também muita imaginação; além disso ele tem uma ampla cultura literária e a sua situação merece a simpatia do seu país natal em todos esses aspectos. O seu grande desejo é ter a sua ópera Rienzi representada em Dresden. Eu achei algumas partes que ele tocou para mim dessa obra cheias de imaginação e considerável efeito dramático» (Giacomo Meyerbeer - 1841). IMAG.14-68-78-86-104-111-147-212-215-285-330-390-393

15FEV913-1990 - Willy Vandersteen: Artista da banda desenhada franco-belga, criador de Bob et Bobette/Suske en Wiske (1945) - «Profundamente ligado à história, à tradição artística e à identidade flamenga, bem como à realidade quotidiana e humana da sua Flandres natal» (Eurico de Barros). IMAG.288

1622-17FEV1673 - Jean-Baptiste Poquelin, aliás Molière: Encenador e actor francês, dramaturgo sob o lema ridendo castigat mores - «A virtude é o primeiro título de nobreza. Eu não presto tanta atenção ao nome desta ou daquela pessoa, mas antes às suas acções... Não somos responsáveis apenas pelo que fazemos, mas também pelo que deixamos de fazer». IMAG.42-132-146-354

CALENDÁRiO

20FEV1942-04ABR2012 - Claude Miller: Cineasta francês, realizador de Sem Culpa Formada / Garde à Vue (1981) - «Competente, humilde e sorridente… Será unanimemente chorado» (Gilles Jacob).

31MAR-01JUN2012 - Espaço Estúdio JS, em Nisa, expõe Ilustração / Banda Desenhada de Susa Monteiro. IMAG.149-382

05ABR2012 - O Som e a Fúria produziu, e estreia Tabu de Miguel Gomes; com Ana Moreira e Carloto Cotta. IMAG.33-211-297

11ABR-31MAI2012 - Em Oeiras, Centro Cultural Palácio do Egipto expõe Sem Limites - Arte Mexicana Contemporânea, em 36 obras de 32 autores, sendo curadora Liliana Coutinho.

12ABR2012- Terratreme Filmes produziu, e estreia Linha Vermelha de José Filipe Costa. IMAG.26-285

13-21ABR2012 - No Cinema São Jorge e na Cinemateca Portuguesa - Museu do Cinema, decorre Panorama - 6ª Mostra do Documentário Português - com organização da Câmara Municipal de Lisboa/CML e do APORDOC/Associação Pelo Documentário, sob o tema Como Se Vê o Documentário Português?

20ABR-20MAI2012 - No Centro Cultural de Cascais, Fundação D. Luís I apresenta …Gentes da Minha Terra, exposição de fotografia de José Teixeira.

20ABR-23SET2012 - Em Lisboa, Fundação Arpad Szènes-Vieira da Silva expõe Arte Bruta, Terra Incógnita - Colecção Treger-Siaint Silvestre.

COMENTÁRiO

Na série Astérix o Gaulês de René Gosciny & Albert Uderzo, Asa (re)edita a colecção Tudo Sobre… Cacofonix, com concepção e realização de Les Éditions Albert René. As imagens ao pormenor, e as revelações de circunstância, a par com os desenhos inéditos, tornam esta proposta irresistível e enriquecedora.
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Asa edita Dragon Ball - 16 - Duelo de Titãs! de Akira Toriyama. Símbolo e tradição nipónica, entre anime e mangà, esta trepidante saga surgiu em 1986, adaptando a luta do bem contra o mal ao imaginário infantil. Prolongando os rituais e as emoções originais, a leitura de Dragon Ball faz-se da direita para a esquerda (das últimas para as primeiras páginas). IMAG.68-348-349-380

quinta-feira, novembro 23, 2017

IMAGINÁRiO #405

José de Matos-Cruz | 01 Fevereiro 2013 | Edição Kafre | Ano X – Semanal – Fundado em 2004

PRONTUÁRiO

VIRTUALIDADES
Cada vez mais influente e alternativa, a partir dos anos ’90 do Século XX, a multifacetada indústria de conteúdos lúdicos acabaria por superar o primado tecnológico - sobre a especificidade do espectáculo ou as virtualidades mediáticas, que se delimitam pelos jogos de computador. Um fenómeno compósito, no qual converge a propensão artística de sectores determinantes dos criadores, com o estímulo sublimado por significativas camadas de público mentor. Em suas amplas conexões, tal articulação dinâmica, interactiva, representa uma síntese embrionária mas versátil, de transferência da tradição ritual e épica para os imaginários futuristas.
Manifestação aliciante de tais virtualidades, A Arte de Under Siege reúne em álbum, sob chancela Asa, amplos materiais alusivos ao primeiro videojogo português, pelos Seed Studios, para PlayStation 3 - incluindo esboços, imagens 3D ou esquemas, além de Under Siege: Primeiro Encontro - uma banda desenhada já distribuída digitalmente, e que serve de introdução ao universo referencial - com argumento de Filipe Pina e ilustração de Filipe Andrade, com base na concepção original por Bruno Ribeiro e André Mealha. Eis um manancial múltiplo e fascinante - dando vida, como sublinha o produtor Jeffrey Ferreira em Introdução, «a cada uma das ideias que surgiram, fossem elas paisagens magníficas ou criaturas fantásticas, que de um momento para o outro passaram a habitar no subconsciente de cada um».

MEMÓRiA

01FEV1933-2011 - Reynolds Price: Poeta, novelista, dramaturgo e ensaísta norte-americano - «Desde o início, teve uma voz própria, um tom lírico, um sentido de humor e uma visão profunda de como as pessoas viviam» (Allan Gurganus - The New York Times). IMAG.341

1899-01FEV1973 - Edmundo de Bettencourt: Poeta e cantor português - «Foi tão grande cantor como poeta. O mais intelectual trovador que passou por Coimbra. Na base desse intelectualismo - superioridade na visão, justeza no senso crítico - enraizou em todo o seu acerto nos motivos preferidos, desprendendo-se de toadas doentias, repudiando as dolências depressivas, não transigindo com arrastamento de frases, seleccionando, enfim, tanto a letra como a música, a que a sua privilegiada garganta daria nova forma e expressão» (Afonso de Sousa - O Cantor e a Guitarra Na Década de Oiro da Academia de Coimbra - 1920-1930). IMAG.175-237

16MAR1923-01FEV1993 - Augusto Cabrita: Fotógrafo português, director de fotografia, produtor e realizador de cinema e televisão - «O prólogo da minha volta de todos os dias é exercitar os primeiros golpes de vista… O Sol é o melhor projector que há: nada supera a luz natural». IMAG.45-332-398

02FEV1883-1958 - Johnston McCulley: Escritor canadense, autor de Zorro, aparecido na revista All Story em 1919 - «Apesar das aparências, Zorro não é simplesmente um homem de acção, mas também um herói que recorre à força para afirmar a cultura e a sabedoria» (Fabio Troncarelli). IMAG.71-87-204-209

1939-03FEV2003 - João César Monteiro: Escritor e cineasta português - «…Resta-me reconhecer a solidão moral de uma prática cinematográfica cavada na dupla recusa de ser uma espécie de carro de aluguer da classe mais favorecida e, o que é mais grave, de trocar essa profunda exigência por toda e qualquer forma de demagogia neo-fadista que transporte e venda a miserável ilusão de servir outra coisa» (A Minha Certidão - excerto - Revista &ETC - 1973). IMAG.10-48-129-158-213-292-317

1909-05FEV1993 - Joseph L. Mankiewicz: Escritor e cineasta americano - «Na minha carreira de realizador, fui testemunha do início, da ascensão, do auge, do declínio e do crepúsculo do cinema sonoro». IMAG.83-231

1707-06FEV1793 - Carlo Goldoni: Dramaturgo italiano - «O mundo é um belo livro, mas será pouco útil a quem não o saiba ler». IMAG.134

07FEV1803-1869 - Hector Berlioz: Compositor francês - «Tenho a certeza de que conseguirei destacar-me com a música. Quero ser alguém, deixar na Terra traços de minha existência… O tempo é um grande mestre - tem, porém, o defeito de matar os seus discípulos». IMAG.54-78-84-254-308

1814-07FEV1873 - Sheridan Le Fanu: Escritor irlandês - «Todas as coisas vieram da Natureza, não vieram? Todas as coisas no céu, na terra e debaixo da terra agem e vivem como ordena a Natureza?» (Carmilla - excerto).


VISTORiA

Claro que estes maridos
são uns grandes desgraçados.
O pão de casa nunca lhes basta.
Carlo Goldoni
Canção

Não te deites, coração,
À sombra dos teus amores.
Não durmas, olha por eles,
Com alegrias e dores.

Não tenhas medo. O calor
Que vem das serras ao mar,
Erguendo incêndios, não queima
O que não é de queimar.

Agradece ao vento frio
Que traz chuva miudinha:
É neve que se aproxima,
Tormenta que se avizinha...

Nos incêndios naturais
Queima ramos de saudades
E faz a tua canção
Do grito das tempestades!
Edmundo de Bettencourt

CALENDÁRiO

16AGO1923-27MAR2012 - Millôr Fernandes: Escritor, humorista, ilustrador e jornalista brasileiro, autor de Pif-Paf (1941 - O Cruzeiro) e co-fundador de O Pasquim (1969) - «Com muita sabedoria, estudando muito, pensando muito, procurando compreender tudo e todos, um homem consegue, depois de mais ou menos quarenta anos de vida, aprender a ficar calado». IMAG.34

14ABR-20MAI2012 - No Centro Cultural de Cascais, Fundação D. Luís I apresenta, com Associação Ser +, Private Lives 2012 - exposição de fotografia de Cláudia Rita Oliveira, Cristina Ataíde, Duarte Amaral Netto, Eduardo Nery, Fernando Fadigas, Helena Peralta, Inês Velez, João Paulo Serafim, Leonor Guerra, Luís de Barros, Luis Noronha da Costa, Maria Leonardo, Mariana Marote, Mário Palma, Orlando Franco, Pedro Cabrita Reis, Ricardo Quaresma Vieira, Rodrigo Amado, Rodrigo Bettencourt da Câmara, Susana Anágua, Teo Pitella e Teresa Palma, sendo curadora Margarida Prieto.

15ABR2012 - No Centro de Artes e Espectáculos de Guimarães, MGN Filmes, ZON Audiovisuais e Guimarães 2012 - Capital Europeia da Cultura apresentam Capitães da Areia de Cecília Amado; sobre a obra de Jorge Amado (1912-2001), com Jean Luís Amorim e Ana Graciela. IMAG.333-382

BREVIÁRiO

Casa das Letras edita Voo Nocturno / Correio do Sul de Antoine de Saint-Exupéry (1900-1944); tradução de Mário Dias Correia. IMAG.88-243-280-351

Associação Chili Com Carne e The Inspector Cheese Adventures editam Mistery Park de André Ruivo - álbum em banda desenhada, inclui pianistas bêbados, patinadores, cães e donos, pássaros, carros, leitores de jornais, polícias-crianças, chá, guitarristas, peixes, rádio a pilhas, fumadores, táxis, mergulhadores, fotógrafos, walkman, índios, robots, gémeos, gatos, namorados, casais, bichos de estimação, semáforos, sem-abrigo, detectives. IMAG.375-378-390


COROLÁRiO

Música, Divina Música!

Tanto duvidaram dele, da teoria daquele jovem gênio musical, que ele resolveu provar pra si mesmo, empiricamente, a teoria de que não existem animais selvagens. Que os animais são tão ou mais sensíveis do que os seres humanos. E que são sensíveis sobretudo ao envolvimento da música, quando esta é competentemente interpretada.
Por isso, uma noite, esgueirou-se sozinho pra dentro do Jardim Zoológico da cidade e, silenciosamente, se aproximou da jaula dos orangotangos. Começou a tocar baixinho, bem suave, a sua magnífica flauta doce, ao mesmo tempo em que abria a porta da jaula. Os macacões quase que não pestanejaram. Se moveram devagarinho, fascinados, apenas pra se aproximar mais do músico e do som.
O músico continuou as volutas de sua fantasia musical enquanto abria a jaula dos leões. Os leões, também hipnotizados, foram saindo, pé ante pé, com o respeito que só têm os grandes aficionados da música. E assim a flauta continuou soando no meio da noite, mágica e sedutora, enquanto o gênio ia abrindo jaula após jaula e os animais o acompanhavam, definitivamente seduzidos, como ele previra.
Uma lua enorme, de prata e ouro, iluminava os jacarés, elefantes, cobras, onças, tudo quanto é animal de Deus ali reunido, envolvidos na sinfonia improvisada no meio das árvores. Até que o músico, sempre tocando, abriu a última jaula do último animal - um tigre.
Que, mal viu a porta aberta, saltou sobre ele, engolindo músico e música - e flauta doce de quebra. Os bichos todos deram um oh! de consternação. A onça, chocada, exprimiu o espanto e a revolta de todos:
Mas, tigre, era um músico estupendo, uma música sublime! Por que você fez isso?
E o tigre, colocando as patas em concha nas orelhas, perguntou:
Ahn? O quê, o quê? Fala mais alto, pô!
Moral: Os animais também têm deficiências humanas.
Millôr Fernandes

PARLATÓRiO

Quando acabo de fazer um filme, afinal o que emerge do fundo dos cristais é a minha própria vida. Puta de vida cheia de merda e de loucura, mas vida tendo por única ambição a estatura do homem, a deste seu amigo que não abdica de mudá-la e irá teimosamente continuar a chatear estes filhos da puta até ao fim dos seus dias, a encher-lhes os gordos cus, Deus me perdoe, de subtis venenos.
João César Monteiro