PRONTUÁRiO
PROPAGANDA
Prestigiado
nos anais de Hollywood como o realizador que mais contribuiu para a
revelação de Bucha & Estica (aliás, Stan Laurel e Oliver
Hardy), Leo McCarey (1898-1969) dirigiu ainda, a partir de meados dos
anos ’20, uma série de populares comédias a cargo das principais
companhias - da MGM à Paramount, da Fox à United Artists, da
Columbia à RKO. Para esta, a primeira produção foi Lua
Sem Mel / Once Upon a Honeymoon (1942)
- sendo ainda argumentista com Sheridan Gibney, e a qual assinalou o
lançamento, nos EUA, do actor austríaco Walter Slezak. Tendo
incidência através da Europa, acção romântica e estilizado humor
forjam uma obra tipificada como propaganda
anti-nazi, que estreou antes
da entrada
da América na II Guerra Mundial. Significativamente, só apareceu em
Portugal em 1945, e em França quatro anos depois. Com uma nomeação
da Academia ao Oscar do Melhor Som (Stephen Dunn), Lua
Sem Mel teve como
protagonistas Cary Grant e Ginger Rogers, que voltariam a
encontrar-se em A Culpa Foi do
Macaco (1952 - Howard Hawks).
A rodagem principiou em 25 de Abril de 1942, tendo Grant (aliás,
Archibald Alexander Leach) conseguido um atraso
quanto ao seu alistamento,
que ele pretendia nos Army Air Corps; a 26 de Junho, e mantendo
embora um emblemático vínculo pró-britânico, tornou-se cidadão
ianque, adoptando legalmente o nome artístico. IMAG.197-233
MEMÓRiA
01JUL1742-1799
- Georg Christoph Lichtenberg: Escritor, filósofo e matemático
alemão - «As pessoas que cedem e concordam com tudo são sempre as
mais saudáveis, as mais belas e de figura mais harmoniosa. Basta
alguém ter um defeito, para haver uma opinião própria… No mundo,
encontramos mais frequentemente lições, que conforto».
1921-04JUL1992
- Astor Piazzola: Compositor e bandeonista argentino - «A minha vida
podia resumir-se a um só tango, um tango muy
porteño
e muito triste. Não porque eu seja triste. Pelo contrário, sou um
louco da guerra,
sou um louco lindo, agrada-me divertir-me, gosto de beber vinho,
gosto de comer bem, gosto da vida, pelo que a minha música não
teria que ser triste. A minha música é triste porque o tango é
triste». IMAG.314
1897-06JUL1962
- William Faulkner: Autor americano, Prémio Nobel da Literatura em
1949 - «Um
escritor é alguém congenitamente incapaz de dizer a verdade. Por
isso, o que ele escreve chama-se ficção».
CALENDÁRiO
16SET1938-23SET2011
- Jozé Niza: Médico, político, escritor e músico português,
criador de E Depois do Adeus
- «Foi o maior compositor da nossa geração e um homem de
princípios que, desde a década de ’50, foi meu parceiro na poesia
e na música, para além de companheiro na política. Tinha uma
personalidade multifacetada» (Manuel Alegre).
05NOV2011-31MAR2012
- No Museu Nacional de Etnologia, decorre A
América Pré-Colombiana - Introdução à História das Culturas
Ameríndias, curso leccionado
por Diniz Conefrey.IMAG.289-301-325-332
COMENTÁRiO
Não
sou capaz de entender como em Portugal, e praticamente em toda a
Europa, estejam hegemonicamente no poder governos e partidos que, na
ideologia e na prática quotidiana, professam e estimulam a ditadura
dos mercados financeiros.
José Niza (2011)
ANTIQUÁRiO
1853-JUL1932
- Artur Loureiro: Artista plástico, natural do Porto - «A sua obra
tem a capacidade de nos surpreender pela sensibilidade que sempre
demonstrou no seu tempo tardo-romântico, naturalista, simbolista com
marcas francesas, italianas e belgas… com um gosto pronunciado pela
paisagem e dentro dela, tanto pela incerteza das brumas e pela
poética das rosas, como pela solidez das rochas da beira-mar ou do
Gerez» (José Luís Porfírio). IMAG.340
01JUL2004
- Kafre publica o IMAGINÁRiO1,
ainda apenas em versão newsletter.
PARLATÓRiO
À
medida que os povos se tornam melhores, os Deuses melhoram também.
Mas, como não se lhes pode eliminar, imediatamente, as
particularidades humanas que tempos mais grosseiros lhes atribuíram,
as pessoas sensatas têm, durante um certo tempo ainda, muitas coisas
como incompreensíveis ou explicam-nas por meio de símbolos.
Conquistar
o êxito graças a obras que não exigiram a totalidade das nossas
forças, torna-se uma coisa perigosa para o aperfeiçoamento do
espírito. Normalmente, é-se espezinhado no mesmo âmbito. É o que
incita La Rochefoucauld a pensar que ainda não aconteceu que um
homem tivesse realizado tudo aquilo de que seria capaz. Considero
esta ideia verdadeira para a maior parte das pessoas.
Georg
Lichtenberg
-
Aforismos
Se
eu não tivesse existido, outro alguém teria escrito os meus livros:
Hemingway, Dostoievski, qualquer um. A prova disso é que há cerca
de três candidatos para a autoria das peças de Shakespeare. Mas o
que é importante são Hamlet
e O Sonho de Uma Noite de
Verão. Não quem os
escreveu, mas o facto de alguém o ter feito. O artista não tem
importância. Só é importante o que ele cria, já que não existe
nada de novo para ser dito. Shakespeare, Homero, Balzac, todos
escreveram acerca das mesmas coisas - e, se eles tivessem vivido mil
anos, os editores não teriam, desde então, necessidade de ninguém
mais.
William
Faulkner (1956)
BREVIÁRiO
Bertrand
edita O Intruso de
William Faulkner (1897-1962); tradução de M. J. Fernandes.
IMAG.86-153-231-232-305-340-356
iPlay
edita em CD e DVD, sob chancela Ponderosa, The
Royal Albert Hall Concert pelo
pianista Ludovico Einaudi com I Virtuosi Italiani.
INVENTÁRiO
Conhecido
pela sua ganância
(consta que chegou a cobrar
por cada autógrafo), Cary Grant - que não estava vinculado a
qualquer estúdio - logrou da RKO, em 1942. um salário semanal de
6.250 dólares, mais dois por cento das receitas de exploração de
Lua Sem Mel / Once Upon a
Honeymoon - isto, numa altura
em que as taxas do fisco atingiam os 93 por cento dos rendimentos,
nos Estados Unidos. Ginger Rogers, que o considerava «um dandy
irresistível», consagrara-se pelos musicais
com Fred Astaire na década de ’30, assumindo - em Lua
Sem Mel - uma ex-bailarina de
cabaré em Nova Iorque, Katie, que por 1938, em Viena, se faz passar
por membro da melhor sociedade de Filadélfia, estando prestes a
casar com o Barão austríaco Von Luber. Numa trama cosmopolita, de
aparências e disfarces, a jovem fascinada por jóias é, então,
assediada por Pat - suposto costureiro francês e, na realidade, um
compatriota, repórter radiofónico que pretende extrair-lhe
informações sobre o noivo, sem que ela o saiba um influente
colaborador de Adolf Hitler. De facto, e celebrado o matrimónio na
Checoslováquia, uma agitada viagem de núpcias continua pela
Polónia, Holanda, Bélgica - sempre com Pat a segui-los, cada vez
mais seduzido - países que irão caindo sob o domínio do III Reich.
Até França ameaçada e, finalmente em Paris sob ocupação, uma
Katie já incrédula, e aliada Pat, dedicar-se-á à espionagem
conjugal...
Aventura
insinuante sob o signo histriónico - e com implicações que Alfred
Hitchcock evocaria em Difamação
(1946), reincidindo Grant ao lado de Ingrid Bergman - Lua
Sem Mel patenteia a
expressiva dinâmica de Leo McCarey, em que um enleio fantasista
entre personagens se recorta na efusão de alusões e subentendidos,
em suas máscaras ou equívocos, ou pela ironia contrastada dos
diálogos. Em momento tão crítico para a História do Século XX,
Lua Sem Mel
constitui, também, uma curiosa alegoria da representação pelo Novo
Mundo sobre o Velho Continente, a cargo de um californiano de origem
irlandesa. As contingências próprias da época fazem denotar uma
rodagem rápida e ligeira, privilegiando a ênfase do burlesco e a
eficácia das vedetas, sobre a estrutura narrativa ou o quilate
técnico. Tal risco virtual entre artifício e consistência - que
McCarey sempre joga, como trunfos criativos - remeteria para uma
alusão de Com a Verdade Me
Enganas (1937), de onde o
talento de Grant se exubera, cúmplice e cativo. Bastaria apreciar,
nesta Lua Sem Mel,
a sequência da partida de cartas no barco, por excelência visual,
detalhada, com todos os requintes de uma conjugação
sobre o cinema mudo. Algo que, aliás, se prefigura na recorrência
mordaz entre Rogers e Grant - quando, logo no início, ele lhe tira
as medidas… servindo-se de
uma fita métrica em metal!
VISTORiA
No
dia em que o delegado trouxe Goodwin para a cidade, havia na cadeia
um assassino, um negro, que matara a sua mulher. Cortara-lhe o
pescoço com uma navalha, de modo que, destacando-se a cabeça cada
vez mais para trás, toda ensanguentada, a vítima correra para fora
do quarto, dando seis ou sete passos na senda enluarada… À tarde,
o assassino apoiava-se às grades da prisão e cantava. A última das
flores caíra da árvore-do-paraíso, a um canto do pátio da cadeia.
Jaziam no chão, grossas, pegajosas, adocicadas, de uma doçura
excessiva e moribunda. À noite, a sombra irregular de galhos, que
agora só tinham folhas, estremecia debilmente nas grades de ferro. A
janela ficava na sala comum. As paredes caiadas de branco estavam
manchadas, com a marca de mãos, rabiscos de nomes e datas,
inscrições obscenas, feitas a lápis, com a unha ou com a lâmina
de uma faca. Todas as noites, o negro assassino ali se apoiava, o
rosto manchado pela sombra das grades nos irrequietos interstícios
das folhas. E cantava, em coro, com aqueles que se achavam na cerca
lá em baixo.
William
Faulkner
-
Santuário (1931,
excerto)
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