quinta-feira, setembro 28, 2017

IMAGINÁRiO #377

José de Matos-Cruz | 01 Julho 2012 | Edição Kafre | Ano IX – Semanal – Fundado em 2004


PRONTUÁRiO

PROPAGANDA
Prestigiado nos anais de Hollywood como o realizador que mais contribuiu para a revelação de Bucha & Estica (aliás, Stan Laurel e Oliver Hardy), Leo McCarey (1898-1969) dirigiu ainda, a partir de meados dos anos ’20, uma série de populares comédias a cargo das principais companhias - da MGM à Paramount, da Fox à United Artists, da Columbia à RKO. Para esta, a primeira produção foi Lua Sem Mel / Once Upon a Honeymoon (1942) - sendo ainda argumentista com Sheridan Gibney, e a qual assinalou o lançamento, nos EUA, do actor austríaco Walter Slezak. Tendo incidência através da Europa, acção romântica e estilizado humor forjam uma obra tipificada como propaganda anti-nazi, que estreou antes da entrada da América na II Guerra Mundial. Significativamente, só apareceu em Portugal em 1945, e em França quatro anos depois. Com uma nomeação da Academia ao Oscar do Melhor Som (Stephen Dunn), Lua Sem Mel teve como protagonistas Cary Grant e Ginger Rogers, que voltariam a encontrar-se em A Culpa Foi do Macaco (1952 - Howard Hawks). A rodagem principiou em 25 de Abril de 1942, tendo Grant (aliás, Archibald Alexander Leach) conseguido um atraso quanto ao seu alistamento, que ele pretendia nos Army Air Corps; a 26 de Junho, e mantendo embora um emblemático vínculo pró-britânico, tornou-se cidadão ianque, adoptando legalmente o nome artístico. IMAG.197-233

MEMÓRiA

01JUL1742-1799 - Georg Christoph Lichtenberg: Escritor, filósofo e matemático alemão - «As pessoas que cedem e concordam com tudo são sempre as mais saudáveis, as mais belas e de figura mais harmoniosa. Basta alguém ter um defeito, para haver uma opinião própria… No mundo, encontramos mais frequentemente lições, que conforto».

1921-04JUL1992 - Astor Piazzola: Compositor e bandeonista argentino - «A minha vida podia resumir-se a um só tango, um tango muy porteño e muito triste. Não porque eu seja triste. Pelo contrário, sou um louco da guerra, sou um louco lindo, agrada-me divertir-me, gosto de beber vinho, gosto de comer bem, gosto da vida, pelo que a minha música não teria que ser triste. A minha música é triste porque o tango é triste». IMAG.314

1897-06JUL1962 - William Faulkner: Autor americano, Prémio Nobel da Literatura em 1949 - «Um escritor é alguém congenitamente incapaz de dizer a verdade. Por isso, o que ele escreve chama-se ficção».

CALENDÁRiO

16SET1938-23SET2011 - Jozé Niza: Médico, político, escritor e músico português, criador de E Depois do Adeus - «Foi o maior compositor da nossa geração e um homem de princípios que, desde a década de ’50, foi meu parceiro na poesia e na música, para além de companheiro na política. Tinha uma personalidade multifacetada» (Manuel Alegre).

05NOV2011-31MAR2012 - No Museu Nacional de Etnologia, decorre A América Pré-Colombiana - Introdução à História das Culturas Ameríndias, curso leccionado por Diniz Conefrey.IMAG.289-301-325-332

COMENTÁRiO

Não sou capaz de entender como em Portugal, e praticamente em toda a Europa, estejam hegemonicamente no poder governos e partidos que, na ideologia e na prática quotidiana, professam e estimulam a ditadura dos mercados financeiros.
José Niza (2011)

ANTIQUÁRiO

1853-JUL1932 - Artur Loureiro: Artista plástico, natural do Porto - «A sua obra tem a capacidade de nos surpreender pela sensibilidade que sempre demonstrou no seu tempo tardo-romântico, naturalista, simbolista com marcas francesas, italianas e belgas… com um gosto pronunciado pela paisagem e dentro dela, tanto pela incerteza das brumas e pela poética das rosas, como pela solidez das rochas da beira-mar ou do Gerez» (José Luís Porfírio). IMAG.340

01JUL2004 - Kafre publica o IMAGINÁRiO1, ainda apenas em versão newsletter.

PARLATÓRiO

À medida que os povos se tornam melhores, os Deuses melhoram também. Mas, como não se lhes pode eliminar, imediatamente, as particularidades humanas que tempos mais grosseiros lhes atribuíram, as pessoas sensatas têm, durante um certo tempo ainda, muitas coisas como incompreensíveis ou explicam-nas por meio de símbolos.
Conquistar o êxito graças a obras que não exigiram a totalidade das nossas forças, torna-se uma coisa perigosa para o aperfeiçoamento do espírito. Normalmente, é-se espezinhado no mesmo âmbito. É o que incita La Rochefoucauld a pensar que ainda não aconteceu que um homem tivesse realizado tudo aquilo de que seria capaz. Considero esta ideia verdadeira para a maior parte das pessoas.
Georg Lichtenberg
- Aforismos

Se eu não tivesse existido, outro alguém teria escrito os meus livros: Hemingway, Dostoievski, qualquer um. A prova disso é que há cerca de três candidatos para a autoria das peças de Shakespeare. Mas o que é importante são Hamlet e O Sonho de Uma Noite de Verão. Não quem os escreveu, mas o facto de alguém o ter feito. O artista não tem importância. Só é importante o que ele cria, já que não existe nada de novo para ser dito. Shakespeare, Homero, Balzac, todos escreveram acerca das mesmas coisas - e, se eles tivessem vivido mil anos, os editores não teriam, desde então, necessidade de ninguém mais.
William Faulkner (1956)

BREVIÁRiO

Bertrand edita O Intruso de William Faulkner (1897-1962); tradução de M. J. Fernandes. IMAG.86-153-231-232-305-340-356

iPlay edita em CD e DVD, sob chancela Ponderosa, The Royal Albert Hall Concert pelo pianista Ludovico Einaudi com I Virtuosi Italiani.

INVENTÁRiO

Conhecido pela sua ganância (consta que chegou a cobrar por cada autógrafo), Cary Grant - que não estava vinculado a qualquer estúdio - logrou da RKO, em 1942. um salário semanal de 6.250 dólares, mais dois por cento das receitas de exploração de Lua Sem Mel / Once Upon a Honeymoon - isto, numa altura em que as taxas do fisco atingiam os 93 por cento dos rendimentos, nos Estados Unidos. Ginger Rogers, que o considerava «um dandy irresistível», consagrara-se pelos musicais com Fred Astaire na década de ’30, assumindo - em Lua Sem Mel - uma ex-bailarina de cabaré em Nova Iorque, Katie, que por 1938, em Viena, se faz passar por membro da melhor sociedade de Filadélfia, estando prestes a casar com o Barão austríaco Von Luber. Numa trama cosmopolita, de aparências e disfarces, a jovem fascinada por jóias é, então, assediada por Pat - suposto costureiro francês e, na realidade, um compatriota, repórter radiofónico que pretende extrair-lhe informações sobre o noivo, sem que ela o saiba um influente colaborador de Adolf Hitler. De facto, e celebrado o matrimónio na Checoslováquia, uma agitada viagem de núpcias continua pela Polónia, Holanda, Bélgica - sempre com Pat a segui-los, cada vez mais seduzido - países que irão caindo sob o domínio do III Reich. Até França ameaçada e, finalmente em Paris sob ocupação, uma Katie já incrédula, e aliada Pat, dedicar-se-á à espionagem conjugal...
Aventura insinuante sob o signo histriónico - e com implicações que Alfred Hitchcock evocaria em Difamação (1946), reincidindo Grant ao lado de Ingrid Bergman - Lua Sem Mel patenteia a expressiva dinâmica de Leo McCarey, em que um enleio fantasista entre personagens se recorta na efusão de alusões e subentendidos, em suas máscaras ou equívocos, ou pela ironia contrastada dos diálogos. Em momento tão crítico para a História do Século XX, Lua Sem Mel constitui, também, uma curiosa alegoria da representação pelo Novo Mundo sobre o Velho Continente, a cargo de um californiano de origem irlandesa. As contingências próprias da época fazem denotar uma rodagem rápida e ligeira, privilegiando a ênfase do burlesco e a eficácia das vedetas, sobre a estrutura narrativa ou o quilate técnico. Tal risco virtual entre artifício e consistência - que McCarey sempre joga, como trunfos criativos - remeteria para uma alusão de Com a Verdade Me Enganas (1937), de onde o talento de Grant se exubera, cúmplice e cativo. Bastaria apreciar, nesta Lua Sem Mel, a sequência da partida de cartas no barco, por excelência visual, detalhada, com todos os requintes de uma conjugação sobre o cinema mudo. Algo que, aliás, se prefigura na recorrência mordaz entre Rogers e Grant - quando, logo no início, ele lhe tira as medidas… servindo-se de uma fita métrica em metal!

VISTORiA

No dia em que o delegado trouxe Goodwin para a cidade, havia na cadeia um assassino, um negro, que matara a sua mulher. Cortara-lhe o pescoço com uma navalha, de modo que, destacando-se a cabeça cada vez mais para trás, toda ensanguentada, a vítima correra para fora do quarto, dando seis ou sete passos na senda enluarada… À tarde, o assassino apoiava-se às grades da prisão e cantava. A última das flores caíra da árvore-do-paraíso, a um canto do pátio da cadeia. Jaziam no chão, grossas, pegajosas, adocicadas, de uma doçura excessiva e moribunda. À noite, a sombra irregular de galhos, que agora só tinham folhas, estremecia debilmente nas grades de ferro. A janela ficava na sala comum. As paredes caiadas de branco estavam manchadas, com a marca de mãos, rabiscos de nomes e datas, inscrições obscenas, feitas a lápis, com a unha ou com a lâmina de uma faca. Todas as noites, o negro assassino ali se apoiava, o rosto manchado pela sombra das grades nos irrequietos interstícios das folhas. E cantava, em coro, com aqueles que se achavam na cerca lá em baixo.
William Faulkner
- Santuário (1931, excerto)
 

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