sábado, setembro 16, 2017

IMAGINÁRiO #371

José de Matos-Cruz | 16 Maio 2012 | Edição Kafre | Ano IX – Semanal – Fundado em 2004

PRONTUÁRiO

FASCÍNIOS
Trinta anos passados sobre a sua morte, Jacques Tati (1907-1982) encena uma segunda ressurreição, voltando aos virtuais rituais de tela após uma prévia divulgação ampla, em meados da década de ’70, que permitiu atrair as jovens gerações e consolidar o prestígio de um dos mais versáteis criadores cómicos. Génio do cinema europeu, com um olhar à vivência americana, tudo se consumou na personalidade excêntrica, solitária e silenciosa do Sr. Hulot. Eu estranhava as suas meias às riscas, o lacinho e aquele chapéu ridículo, mas fascinava-me por fumar cachimbo. Francês de origem russa, nascido Jacques Taticheff em Pelq, adolescente desportista e artista de music-hall, Jacques Tati abrilhantou várias curtas metragens em 1932-46, modalidade que escolheu para lançar-se como realizador (L’École de Facteurs, 1947). Fanático da montagem, perdulário durante a rodagem, a partir de uma rigorosa planificação visual, despediu-se com Parade em 1974.

CALENDÁRiO

1926-15AGO2011 - José Fontes Rocha: Guitarrista português, Prémio Amália Rodrigues Melhor Compositor de Fado em 2005 - integrou o conjunto de Raul Nery, tendo acompanhado fadistas como Alfredo Marceneiro ou Hermínia Silva. IMAG.342

1914-17AGO2011 - Michel Mohrt: Escritor, ensaísta e editor, membro da Academia Francesa (1986) - «Bretão, católico e selvagem» (Jean d’Ormesson).

25JUL1941-19AGO2011 - Raul Ruiz: Cineasta chileno, exilado em França - «Uma pessoa vinda de uma outra época, que conhecia tudo sobre tudo, de uma cultura imensa sob todos os pontos de vista, e que vivia ancorado entre dois países, o Chile e a França. Ele adorava a fusão entre as diversas culturas. Ele fez filmes em vários países do mundo. Era sem dúvida um dos grandes espíritos, muito além do cinema, da própria época moderna» (François Margolin). IMAG.287-330-357

MEMÓRiA

1527-23AGO1591 - Frei Luis de León: Humanista, teólogo e poeta espanhol - «Vivir quiero conmigo, / gozar quiero del bien que debo al Cielo, / a solas, sin testigo, / libre de amor, de celo, / de odio, de esperanzas, de recelo».

1885-25OUT1941 - Robert Delaunay: Pintor francês, ligado ao abstraccionismo e ao cubismo, explorou ainda o impressionismo - com uma série dedicada à Torre Eiffel - e viveu em Portugal, sendo amigo de Almada Negreiros. IMAG.154

18MAI1872-1970 - Bertrand Russell: Escritor, matemático e filósofo inglês - «Um dos paradoxos dolorosos do nosso tempo reside no facto de serem os estúpidos aqueles que têm a certeza, enquanto os que possuem imaginação e inteligência se debatem em dúvidas e indecisões». IMAG.261

VISTORiA

Os dez Princípios de um Código de Conduta

1. Não tenhas certeza absoluta de nada.
2. Não consideres que valha a pena proceder escondendo evidências, pois as evidências inevitavelmente virão à luz.
3. Nunca tentes desencorajar o pensamento, pois com certeza tu terás sucesso.
4. Quando encontrares oposição, mesmo que seja de teu cônjuge ou de tuas crianças, esforça-te para superá-la pelo argumento, e não pela autoridade, pois uma vitória dependente da autoridade é irreal e ilusória.
5. Não tenhas respeito pela autoridade dos outros, pois há sempre autoridades contrárias a serem achadas.
6. Não uses o poder para suprimir opiniões que consideres perniciosas, pois as opiniões irão suprimir-te.
7. Não tenhas medo de possuir opiniões excêntricas, pois todas as opiniões hoje aceitas foram um dia consideradas excêntricas.
8. Encontra mais prazer em desacordo inteligente do que em concordância passiva, pois, se valorizas a inteligência como deverias, o primeiro será um acordo mais profundo que a segunda.
9. Sê escrupulosamente verdadeiro, mesmo que a verdade seja inconveniente, pois será mais inconveniente se tentares ocultá-la.
10. Não tenhas inveja daqueles que vivem num paraíso dos tolos, pois apenas um tolo o consideraria um paraíso.
Bertrand Russell
- Autobiografia
INVENTÁRiO

O REGRESSO DO SR. HULOT
«Há uma maneira de resolver todos os problemas económicos - taxar a vaidade com impostos elevados», comentava Jacques Tati - que, através de uma carreira ímpar, como realizador e intérprete, virtualizou os dilemas e os paradoxos da sociedade contemporânea, estilizados na irresistível personagem de Sr. Hulot.


HÁ FESTA NA ALDEIA (1949)
Durante a feira anual numa aldeola, a exibição dum filme americano - sobre os métodos, rápidos e ultramodernos, de distribuição pelos correios - coloca o carteiro François numa posição ridícula, perante os conterrâneos. Decidido a provar a sua eficiência, François - um modelo de consciência profissional, embora disponha apenas duma bicicleta - inventa então os mais irresistíveis truques, para levar, sem demora, a correspondência aos destinatários... Rodagem em Saint-Sévère-Sur-Inde (1947).
Primeira longa metragem de Jacques Tati - histriónico protagonista, antes de ser o Sr. Hulot - ainda numa expressão embrionária, quanto aos requisitos hilariantes, ao estilo narrativo, à definição de personagens e à eficácia dos gagues. Mas já sóbrio e virtual na poesia do grotesco, patenteando um clássico do humor - galardoado pelo melhor argumento no Festival de Veneza (1949) e com o Grande Prémio do Cinema Francês (1950).

AS FÉRIAS DO SR. HULOT (1953)
Sem fazer caso das centenas de pessoas que, como ele, se decidem por umas férias na praia, o Sr. Hulot faz-se à estrada, provocando a cólera e o pânico entre os condutores e acompanhantes que enfrentam bichas intermináveis. Intrépido, imperturbável, o Sr. Hulot chega ao hotel de veraneio, onde causa novas catástrofes ao desafiar a rotina instalada entre os hóspedes. Mas nada afecta o seu optimismo empreendedor, ao organizar um passeio de burro ou um baile de máscaras...
Rodagem em Saint-Marc-Sur Mer, próximo de Saint-Nazaire, na costa da Bretanha (1951-52). Autor integral - como argumentista, realizador e protagonista em apresentação emblemática - Jacques Tati revitaliza as virtualidades da comédia de costumes pelos estigmas do humor, ao assumir um modelo sarcástico e emblemático. Distinguido com o Grande Prémio da Crítica Internacional no Festival de Cannes (1953) e o Prémio Louis Delluc do Cinema Francês.

O MEU TIO (1958)
Sentimental, o Sr. Hulot vive com um passarinho em velho casarão, cheio de histórias e perfumes. Tal provoca a ironia do irmão Arpel, que habita com a mulher e um filho numa casa recheada de móveis modernos e assépticos utensílios de cozinha. Mas o jovem sobrinho é seu admirador incondicional, deliciando-se ao passearem de bicicleta ou com os efeitos dos seus modos desengonçados...
Primeiro filme colorido de Jacques Tati, a rodagem decorreu em Créteil e Saint-Maur-les-Faussés. Atraindo calamidades ou suscitando o caos, o Sr. Hulot subverte as regras e os peões duma sociedade normalizada e comodista, afinal indiferente à desumanização tecnológica. Considerado «reaccionário» pelo crítico André Bazin, foi Prémio Especial do Júri no Festival de Cannes (1958), e um fenómeno maior de popularidade: apresentado em duas salas num regime de exclusividade, em França, estabeleceu um recorde de 520.000 espectadores.

PLAYTIME - VIDA MODERNA (1967)
Paris, ano 2000. Os prodígios e cintilações da Cidade da Luz. A imponência futurista do Aeroporto de Orly. O tempo de lazer dos turistas atarantados - americanos ou homens de negócios, entre os prazeres do consumo e os requintes cosmopolitas. A inauguração do Royal Garden, estilizando num jantar dançante os rituais de cabaré...
Dois anos (1965-67) de rodagem, em negativo de 70 mm, usando a amplitude do ecrã segundo um conceito estético e narrativo de desmultiplicação da imagem. Jacques Tati pretendeu um «mural impressionista» em vários quadros simultâneos, pelos quais se contrastam as vastas figurações, os episódios histriónicos e o envolvimento cénico. François Fruffaut saudou «um testemunho dez anos adiantado aos padrões do cinema». Porém, o insucesso comercial arruinou financeiramente Jacques Tati, forçando a nova interrupção numa carreira retomada com Trafic - Sim, Sr. Hulot (1971), em nostalgia e consagração.

BREVIÁRiO

Clap Filmes edita em DVD, Há Festa Na Aldeia / Jour de Fête (1949), As Férias do Sr. Hulot / Les Vacances de Monsieur Hulot (1953), O Meu Tio / Mon Oncle (1958) e Play Time - Vida Moderna / Play Time (1967) de Jacques Tati. IMAG.225

Harmonia Mundi edita em CD, Johann Ludwig Bach [1677-1731]: Trauermusik por Akademie für Alte Musik Berlin, sob a direcção de Hans-Christoph Rademann.

Tinta da China edita Antero de Quental e a Viagem à América - Remando Contra a Maré de Ana Maria Almeida Martins. IMAG.59-147-338-367

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