PRONTUÁRiO
FASCÍNIOS
Trinta
anos passados sobre a sua morte, Jacques
Tati
(1907-1982) encena uma segunda ressurreição, voltando aos virtuais
rituais de tela após uma prévia divulgação ampla, em meados da
década de ’70, que permitiu atrair as jovens gerações e
consolidar o prestígio de um dos mais versáteis criadores cómicos.
Génio do cinema europeu, com um olhar à vivência americana, tudo
se consumou na personalidade excêntrica, solitária e silenciosa do
Sr. Hulot. Eu estranhava as suas meias às riscas, o lacinho e aquele
chapéu ridículo, mas fascinava-me por fumar cachimbo. Francês de
origem russa, nascido Jacques Taticheff em Pelq, adolescente
desportista e artista de music-hall,
Jacques Tati abrilhantou várias curtas metragens em 1932-46,
modalidade que escolheu para lançar-se como realizador (L’École
de Facteurs,
1947). Fanático da montagem, perdulário durante a rodagem, a partir
de uma rigorosa planificação visual, despediu-se com Parade
em 1974.
CALENDÁRiO
1926-15AGO2011
- José Fontes Rocha: Guitarrista português, Prémio Amália
Rodrigues Melhor Compositor de Fado em 2005 - integrou o conjunto de
Raul Nery, tendo acompanhado fadistas como Alfredo Marceneiro ou
Hermínia Silva. IMAG.342
1914-17AGO2011
- Michel Mohrt: Escritor, ensaísta e editor, membro da Academia
Francesa (1986) - «Bretão, católico e selvagem» (Jean
d’Ormesson).
25JUL1941-19AGO2011
- Raul Ruiz: Cineasta chileno, exilado em França - «Uma pessoa
vinda de uma outra época, que conhecia tudo sobre tudo, de uma
cultura imensa sob todos os pontos de vista, e que vivia ancorado
entre dois países, o Chile e a França. Ele adorava a fusão entre
as diversas culturas. Ele fez filmes em vários países do mundo. Era
sem dúvida um dos grandes espíritos, muito além do cinema, da
própria época moderna» (François Margolin). IMAG.287-330-357
MEMÓRiA
1527-23AGO1591
- Frei Luis de León: Humanista, teólogo e poeta espanhol - «Vivir
quiero conmigo, / gozar quiero del bien que debo al Cielo, / a solas,
sin testigo, / libre de amor, de celo, / de odio, de esperanzas, de
recelo».
1885-25OUT1941
- Robert Delaunay: Pintor francês, ligado ao abstraccionismo e ao
cubismo, explorou ainda o impressionismo - com uma série dedicada à
Torre Eiffel - e viveu em Portugal, sendo amigo de Almada Negreiros.
IMAG.154
18MAI1872-1970
- Bertrand Russell: Escritor, matemático e filósofo inglês - «Um
dos paradoxos dolorosos do nosso tempo reside no facto de serem os
estúpidos aqueles que têm a certeza, enquanto os que possuem
imaginação e inteligência se debatem em dúvidas e indecisões».
IMAG.261
VISTORiA
Os
dez Princípios de um Código de Conduta
1.
Não tenhas certeza absoluta de nada.
2.
Não consideres que valha a pena proceder escondendo evidências,
pois as evidências inevitavelmente virão à luz.
3.
Nunca tentes desencorajar o pensamento, pois com certeza tu terás
sucesso.
4.
Quando encontrares oposição, mesmo que seja de teu cônjuge ou de
tuas crianças, esforça-te para superá-la pelo argumento, e não
pela autoridade, pois uma vitória dependente da autoridade é irreal
e ilusória.
5.
Não tenhas respeito pela autoridade dos outros, pois há sempre
autoridades contrárias a serem achadas.
6.
Não uses o poder para suprimir opiniões que consideres perniciosas,
pois as opiniões irão suprimir-te.
7.
Não tenhas medo de possuir opiniões excêntricas, pois todas as
opiniões hoje aceitas foram um dia consideradas excêntricas.
8.
Encontra mais prazer em desacordo
inteligente do que em concordância passiva, pois, se valorizas a
inteligência como deverias, o primeiro será um acordo mais profundo
que a segunda.
9.
Sê escrupulosamente verdadeiro, mesmo que a verdade seja
inconveniente, pois será mais inconveniente se tentares ocultá-la.
10.
Não tenhas inveja daqueles que vivem num paraíso dos tolos, pois
apenas um tolo o consideraria um paraíso.
Bertrand
Russell
-
Autobiografia
INVENTÁRiO
O
REGRESSO DO SR. HULOT
«Há
uma maneira de resolver todos os problemas económicos - taxar a
vaidade com impostos elevados», comentava Jacques Tati - que,
através de uma carreira ímpar, como realizador e intérprete,
virtualizou os dilemas e os paradoxos da sociedade contemporânea,
estilizados na irresistível personagem de Sr. Hulot.
HÁ
FESTA NA ALDEIA (1949)
Durante
a feira anual numa aldeola, a exibição dum filme americano - sobre
os métodos, rápidos e ultramodernos, de distribuição pelos
correios - coloca o carteiro François numa posição ridícula,
perante os conterrâneos. Decidido a provar a sua eficiência,
François - um modelo de consciência profissional, embora disponha
apenas duma bicicleta - inventa então os mais irresistíveis
truques, para levar, sem demora, a correspondência aos
destinatários... Rodagem em Saint-Sévère-Sur-Inde (1947).
Primeira
longa metragem de Jacques Tati - histriónico protagonista, antes de
ser o Sr. Hulot - ainda numa expressão embrionária, quanto aos
requisitos hilariantes, ao estilo narrativo, à definição de
personagens e à eficácia dos gagues. Mas já sóbrio e virtual na
poesia do grotesco, patenteando um clássico do humor - galardoado
pelo melhor argumento no Festival de Veneza (1949) e com o Grande
Prémio do Cinema Francês (1950).
AS
FÉRIAS DO SR. HULOT (1953)
Sem
fazer caso das centenas de pessoas que, como ele, se decidem por umas
férias na praia, o Sr. Hulot faz-se à estrada, provocando a cólera
e o pânico entre os condutores e acompanhantes que enfrentam bichas
intermináveis. Intrépido, imperturbável, o Sr. Hulot chega ao
hotel de veraneio, onde causa novas catástrofes ao desafiar a rotina
instalada entre os hóspedes. Mas nada afecta o seu optimismo
empreendedor, ao organizar um passeio de burro ou um baile de
máscaras...
Rodagem
em Saint-Marc-Sur Mer, próximo de Saint-Nazaire, na costa da
Bretanha (1951-52). Autor integral - como argumentista, realizador e
protagonista em apresentação emblemática - Jacques Tati revitaliza
as virtualidades da comédia de costumes pelos estigmas do humor, ao
assumir um modelo sarcástico e emblemático. Distinguido com o
Grande Prémio da Crítica Internacional no Festival de Cannes (1953)
e o Prémio Louis Delluc do Cinema Francês.
O
MEU TIO (1958)
Sentimental,
o Sr. Hulot vive com um passarinho em velho casarão, cheio de
histórias e perfumes. Tal provoca a ironia do irmão Arpel, que
habita com a mulher e um filho numa casa recheada de móveis modernos
e assépticos utensílios de cozinha. Mas o jovem sobrinho é seu
admirador incondicional, deliciando-se ao passearem de bicicleta ou
com os efeitos dos seus modos desengonçados...
Primeiro
filme colorido de Jacques Tati, a rodagem decorreu em Créteil e
Saint-Maur-les-Faussés. Atraindo calamidades ou suscitando o caos, o
Sr. Hulot subverte as regras e os peões duma sociedade normalizada e
comodista, afinal indiferente à desumanização tecnológica.
Considerado «reaccionário» pelo crítico André Bazin, foi Prémio
Especial do Júri no Festival de Cannes (1958), e um fenómeno maior
de popularidade: apresentado em duas salas num regime de
exclusividade, em França, estabeleceu um recorde de 520.000
espectadores.
PLAYTIME
- VIDA MODERNA (1967)
Paris,
ano 2000. Os prodígios e cintilações da Cidade da Luz. A
imponência futurista do Aeroporto de Orly. O tempo de lazer dos
turistas atarantados - americanos ou homens de negócios, entre os
prazeres do consumo e os requintes cosmopolitas. A inauguração do
Royal Garden, estilizando num jantar dançante os rituais de
cabaré...
Dois
anos (1965-67) de rodagem, em negativo de 70 mm, usando a amplitude
do ecrã segundo um conceito estético e narrativo de
desmultiplicação da imagem. Jacques Tati pretendeu um «mural
impressionista» em vários quadros simultâneos, pelos quais se
contrastam as vastas figurações, os episódios histriónicos e o
envolvimento cénico. François Fruffaut saudou «um testemunho dez
anos adiantado aos padrões do cinema». Porém, o insucesso
comercial arruinou financeiramente Jacques Tati, forçando a nova
interrupção numa carreira retomada com Trafic
- Sim, Sr. Hulot (1971), em
nostalgia e consagração.
BREVIÁRiO
Clap
Filmes edita em DVD, Há Festa
Na Aldeia / Jour de Fête
(1949), As Férias do Sr.
Hulot / Les Vacances de Monsieur Hulot
(1953), O Meu Tio / Mon Oncle
(1958) e Play Time - Vida
Moderna / Play Time (1967) de
Jacques Tati. IMAG.225
Harmonia
Mundi edita em CD, Johann
Ludwig Bach [1677-1731]:
Trauermusik
por Akademie für Alte Musik Berlin, sob a direcção de
Hans-Christoph Rademann.
Tinta
da China edita Antero de
Quental e a Viagem à América - Remando Contra a Maré de
Ana Maria Almeida Martins. IMAG.59-147-338-367
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