terça-feira, março 20, 2018

IMAGINÁRiO #478

José de Matos-Cruz | 08 Julho 2014 | Edição Kafre | Ano XI – Semanal – Fundado em 2004


PRONTUÁRiO

REVELAÇÕES
Dando continuidade à revelação de edições bizarras e fascinantes, que ficaram esquecidas ou ocultas dos leitores, a Apenas Livros lançou, em 1999, Lisboa No Ano Três Mil - Revelações Arqueológicas, Obtidas Pela Hipnose e Publicadas Em 1892 por Cândido de Figueiredo. Apresentada como «uma obra de crítica social e institucional», apesar dos seus (supostos) cento e tal anos, em luxuriante prospecção, esta prosa de nomes trocados e saborosa fantasia permite, virtualmente decifrada na realidade e adaptada à actualidade, ouvir «a gargalhada casquinar pelas novas vielas do nosso áureo provincianismo. Pelas suas entrelinhas são perceptíveis frequentes alfinetadas a alguns vultos do pensamento português da época, como Eça, Camilo, Antero, Gomes Leal… e moques e remoques às andanças republicanas». Outro aspecto estimulante é (re)descobrir a subtil ironia e imaginação mordaz do seu autor. António Cândido de Figueiredo (1846-1925) foi um dos fundadores da Sociedade de Geografia de Lisboa, e é geralmente conhecido pelo Dicionário da Língua Portuguesa, «ainda que nos tenha deixado também inúmeros outros estudos de linguística».

MEMÓRiA

30JUL1894-1990 - Francine Germaine Van Gool Benoït, aliás Francine Benoit: Compositora e musicóloga, nascida em França e naturalizada portuguesa (1929) - «Foi professora, pedagoga, compositora, conferencista, crítica musical e cronista, reconhecida pelos seus pares pelo seu carácter e singularidade» (Ana Sofia Vieira).

08AGO1694-1746 - Francis Hutcheson: Teólogo, filósofo e escritor irlandês - autor de Ensaio Sobre a Natureza e Conduta das Paixões e Afeições e de Ilustrações Sobre o Senso Moral.

08AGO1874-1966 - Arthur Justin Léon Leclère, aliás Tristan Klingsor: Poeta, músico e pintor francês - «Ásia / Ásia, Ásia, Ásia / Terra maravilhosa de velhos contos / Em que a fantasia dorme como uma / Imperatriz / Em sua floresta / Cheia de mistério / Ásia, eu queria partir no barco / Atracado esta noite no porto / Misterioso e solitário / E que abre enfim suas velas / Violáceas».

09AGO1914-2012 - Maria da Silva Pires Keil do Amaral, aliás Maria Keil: Pintora e ilustradora portuguesa, casada com Francisco Keil do Amaral, distinguida com o Grande Prémio Aquisição pela Academia Nacional de Belas-Artes (2009) - «Tornei-me artista plástica… porque calhou!». IMAG.13-150-244-393-413-472

1905-14AGO1994 - Elias Canetti: Escritor búlgaro, Prémio Nobel da Literatura em 1981 - «Toda a palavra pronunciada é falsa. Toda a palavra escrita é falsa. Toda a palavra é falsa. Mas o que existe, sem palavras?» (A Província do Homem - 1973). IMAG.388

CALENDÁRiO

1922-08AGO2013 - Regina Resnik: Cantora lírica americana, mezzo-soprano de ascendência ucraniana - «Nasci com o dom de ter uma garganta muito forte».

22AGO2013 - O Som e a Fúria estreia Até Ver a Luz com Euclides Mendes Fernandes e José Zeferino da Cruz; Nuvem com Nelson Duarte e Pedro Diniz; e Os Vivos Também Choram com José Pedro Gomes e Dorin Dragos, filmes de Basil da Cunha.

VISTORiA

A Flauta Mágica

A sombra está suave e meu senhor
Está dormindo
Em sua cabeça traz um gorro de seda
Em forma de cone
E seu comprido nariz amarelo
Em sua barba branca
Eu, porém, estou acordada ainda
E ouço lá fora
Um som de flauta em que transparecem,
Alternadamente, a tristeza e alegria,
Uma melodia ora lânguida, ora banal
Que meu bem-amado vai tocando
E quando chego perto da janela,
Me parece que cada nota voa
Da flauta até meu rosto
Como um beijo misterioso
Tristan Klingsor
- Shéhérazade (excerto - Tradução de Maria Sylvia Nunes)

VISTORiA

Carta III A Ponte Monumental

Amigo e Mestre. – Fui, com efeito, examinar os postes, que da minha tenda, se avistam no Tejo, de espaço a espaço, desde uma à outra banda.
São restos de grandes pilares de ferro, meio carcomidos pelo tempo e pelos óxidos salinos. Folheando memórias seculares, cheguei à conclusão de que estes pilares sustentaram, há dez séculos, uma grande ponte que ligava as duas margens do Tejo.
É difícil verificar hoje a quem pertenceu a iniciativa daquela construção, realmente notável. As relações e monografias coevas falam vagamente de um construtor nacional, Pais, como sendo o primeiro que forneceu um plano exequível para a famosa ponte. Parece no entanto averiguado que os Portugueses não acreditaram jamais que santos da casa fizessem milagres, e que aceitaram o primeiro ou o segundo plano que apareceu firmado por um ou mais nomes estrangeiros.
Timbravam de patriotas os Portugueses, mas tinham uma adoração fetichista por tudo o que lhes viesse de fora, desde os toiros e cantores de opereta até aos trajes de gala e aos planos de construções nacionais…
Cândido de Figueiredo
- Lisboa No Ano Três Mil
- Revelações Arqueológicas, Obtidas Pela Hipnose e Publicadas Em 1892 (excerto)

Através de mais um portão aberto, olhei para um grande pátio. Ali estavam sentadas talvez duzentas criancinhas, muito chegadas umas às outras; algumas corriam por aqui e por ali ou brincavam no chão. Na maior parte, sentadas nos bancos, seguravam cartilhas nas mãos. Em pequenos grupos de três ou quatro, balançavam-se com força, ora para a frente ora para trás, e recitavam em voz alta: «Aleph. Beth. Gimel». As cabecinhas morenas moviam-se, ritmicamente, para lá e para cá. Havia sempre uma mais rápida, de movimentos mais impetuosos; e, vindo daquelas bocas, soava o alfabeto hebraico como um decálogo nascente…
Eu entrara, entretanto, e esforçava-me por desvendar como ocupavam o tempo aquelas inúmeras crianças. As mais pequenas brincavam no chão. Entre elas encontrava-se um professor, pobremente vestido; na mão direita segurava um cinto em coiro, um cinto para bater, para castigar! Aproximou-se de ar submisso. O seu rosto longo era regular e sem expressão, e o olhar mortiço contrastava com toda aquela vivacidade das crianças. Parecia não só nunca poder vir a ser o seu mestre, como até mal pago. Era um homem novo. A sua juventude, porém, tornava-o paradoxalmente mais velho. Não falava nem uma palavra de francês, e eu nada esperava dele. Sentia-me satisfeito por ali estar no meio daquele barulho ensurdecedor e por poder olhar em roda. Mas tinha-o avaliado mal. Atrás do seu olhar mortiço, escondia-se algo como a ambição. Queria mostrar-me o que os seus meninos sabiam. Chamou um rapazito, abriu-lhe a cartilha debaixo dos olhos, de tal forma que também eu podia ver o texto, e apontava rapidamente ora para uma ora para outra sílaba hebraica. Mudava de linha em todas as direcções. Era preciso que eu não pensasse que o rapaz sabia tudo de cor e que estava a recitar, cegamente, sem ler. Os olhos de garoto faiscavam, enquanto lia em voz alta: «La-lo-manusche-ti-ba-bu».
Elias Canetti
- As Vozes de Marraquexe (1968 - excerto)

BREVIÁRiO

Universal edita em CD, Abraçaço de Caetano Veloso. IMAG.166-180

Esfera dos Livros edita Grandes Naufrágios Portugueses 1194-1991 de José António Rodrigues Pereira.

ECM Records edita em CD, Concert In Athens por Eleni Karaindru.

Estampa edita Ruben A. - Uma Biografia de Liberto Cruz e Madalena Carretero Cruz; na colecção Memória das Letras, sobre o escritor Ruben Andresen Leitão (1920-1975). IMAG.52 -406

Saída de Emergência edita Lisboa No Ano 2000, com coordenação de João Barreiros.

ANUÁRiO

1842-1914 - Ambrose Gwinnett Bierce: Editor, escritor e jornalista americano, de cariz satírico - «Em questões internacionais, a paz é um momento de trapaça entre dois períodos de combate. IMAG.376 
 
ELUCIDÁRiO

P
Paciência - s. Forma menor de desespero, disfarçada de virtude.
Pagão - s. Ser transviado que incorre na loucura de adorar o que pode ver e sentir.
Palácio - s. Residência bela e cara, particularmente a de um grande funcionário. A residência de um alto dignitário da Igreja chama-se palácio; à do fundador da sua religião chama-se palheiro ou casebre. O progresso existe.
Paus de incenso - s. Pauzinhos que os chineses queimam, no exercício das suas palhaçadas pagãs, imitando certos ritos sagrados da nossa santa religião.
Ambrose Bierce
- O Dicionário do Diabo (1906-1911 - excerto)

EXTRAORDINÁRiO

OS HUMANIMAIS - Folhetim Aperiódico

CARTA NA MÃO DOBRA O ENGUIÇO - 2

Até mesmo antes de criança mal gerada e assustando Lisboa, fora um feto infecto – como a peste a chegar a estes tempos, desde que se lançavam cadáveres virulentos ou pessoas contaminadas para dentro das cidades sitiadas. Ora, ninguém capaz escapará a tal calamidade.
Há, portanto, perigos que inebriam a vertigem entre a liberdade e o calabouço. A rotina de Salomão fazia-se de tal fortuito enleio, um estímulo que o destrambelhava sem qualquer motivação ou transcendência.
Continua

Sem comentários:

Enviar um comentário