quinta-feira, outubro 12, 2017

IMAGINÁRiO #385

José de Matos-Cruz | 01 Setembro 2012 | Edição Kafre | Ano IX – Semanal – Fundado em 2004

PRONTUÁRiO

OLHARES
Embora associado às origens do neo-realismo italiano, Federico Fellini (1920-1993) é um cineasta pessoal, insólito, criador íntimo que se distingue quanto a escolas, artistas ou estilos de grupo. Na sua obra, costumam referenciar-se duas épocas essenciais - cuja delimitação decorre pelo início dos Anos ’60 do Século XX, mais propriamente com A Doce Vida / La Dolce Vita (1960). Numa primeira fase, Fellini insere-se pelos problemas do quotidiano, registando uma sensível condição humanista - captando o lado exuberante das pessoas, e quanto delas se reflecte ou é motivado pelo círculo social. Em segundo período, Fellini - sem descurar um empenho peculiar e a textura individual - centra tal tendência sobre as virtualidades e os rituais do próprio imaginário fílmico. De algum modo, mantém-se constante e coerente a magia cénica, ou o fascínio do olhar felliniano, verificando-se a alegada recorrência sobretudo ao nível de um diferencial expressivo - assinalável, de modo eufemístico, com a passagem de um privilégio da linguagem para a escrita do olhar.

CALENDÁRiO

12NOV-31DEZ2011 - No Centro Cultural de Cascais, Câmara Municipal de Cascais apresenta, com o apoio do Instituto Arqueológico Alemão em Madrid e do Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico/IGESPAR, a exposição fotográfica Blick Mira Olha!

MEMÓRiA

02SET1922-2000 - Vittorio Gassman: Actor italiano do cinema e do teatro - «Representar não está longe da loucura. Um actor trabalha, projectando o seu carácter nos outros. É uma espécie de esquizofrenia». IMAG.280

1894-03SET1962: Edward Estlin Cummings, aliás E.E. Cummings: Poeta americano - «montanhas são montanhas; céus são céus - / e uma tal liberdade nos aquece / que é como se o universo uno, sem véus, / total, de nós (somente nós) viesse».

1885-07SET1962 - Karen Blixen, aliás Isak Dinesen: Escritora dinamarquesa - «Todos os sofrimentos podem ser suportados, se conseguirmos convertê-los numa história, ou se contarmos uma história sobre eles… A arte real faz, sempre, supor uma certa bruxaria». IMAG.42-266

ANTIQUÁRiO

07SET1822 - Durante uma viagem entre São Paulo - onde acalmara uma rebelião contra José Bonifácio - e Santos, junto às margens do Rio Ipiranga, o Príncipe Regente D. Pedro de Bragança - filho primogénito de El-Rei D. João VI, regressado a Portugal em ABR1821 - brada «Independência ou Morte!» Sagrando a Independência do Brasil, e o termo do domínio português sobre aquele território de além-Atlântico, seguir-se-ia, três meses depois, no Rio de Janeiro, a declaração oficial de D. Pedro I como Imperador do Brasil. IMAG.51-156

VISTORiA

nalgum lugar em que eu nunca estive, alegremente além
de qualquer experiência, teus olhos têm o seu silêncio:
no teu gesto mais frágil há coisas que me encerram,
ou que eu não ouso tocar porque estão demasiado perto

teu mais ligeiro olhar facilmente me descerra
embora eu tenha me fechado como dedos, nalgum lugar
me abres sempre pétala por pétala como a Primavera abre
(tocando subtilmente, misteriosamente) a sua primeira rosa

ou se quiseres me ver fechado, eu e
minha vida nos fecharemos belamente, de repente,
assim como o coração desta flor imagina
a neve cuidadosamente descendo em toda a parte;

nada que eu possa perceber neste universo iguala
o poder de tua imensa fragilidade: cuja textura
compele-me com a cor de seus continentes,
restituindo a morte e o sempre cada vez que respira

(não sei dizer o que há em ti que fecha
e abre; só uma parte de mim compreende que a
voz dos teus olhos é mais profunda que todas as rosas)
ninguém, nem mesmo a chuva, tem mãos tão pequenas
E.E. Cummings
(Tradução de Augusto de Campos)


INVENTÁRiO

COPRA
No Verão de 1972, surgia em Coimbra um dos marcos pioneiros da fanzinologia em Portugal: Copra que, como então era prática, vinha indicada como número 0. Ainda antes, e entre outros, aparecera em Lisboa o Quadradinhos de Vasco Granja, que aliás se tornou um dos primeiros colaboradores de Copra, e cujo entusiasmo havia inspirado muitos dos por essa altura jovens amadores da banda desenhada, interessados na sua análise e divulgação.
Formal e objectivamente, Copra tinha, aliás, outras características. Desde logo, era editada pelo Boomovimento um grupo liminarmente constituído por Álvaro Corte Real, António Pedro Pita e José de Matos-Cruz. Hoje, posso reconhecer que eu próprio instigara esta chancela colectiva, no âmbito das iniciativas ou sua repercussão. Tal entusiasmo, forjado pela amizade que sempre permaneceu, tornou-se determinante nas opções futuras, pessoais ou públicas, de cada um de nós.
O Boomovimento reflectia-se, ainda, na distribuição autónoma de notícias sobre banda desenhada, com publicação regular em jornais designadamente, nos suplementos Onda Juvenil do semanário Mar Alto da Figueira da Foz, e Juvenil do Diário de Coimbra, que orientei com Agostinho Chaves Gonçalves. A propósito, organizámos na Livraria Havaneza, da Figueira da Foz, diversas palestras sobre quadradinhos com a ingenuidade típica dos precursores e da nossa idade, ou a amável complacência das pessoas mais velhas que a tal nos estimulavam e, regularmente, compareciam.
Quanto a Copra, saíram quatro números até à Primavera de 1974. Era paga por nós, sem qualquer apoio, além da prestação de um leque significativo de assinantes que, ao longo do país, pudemos angariar. Na maioria, jovens também e penso agora que, economicamente, todos ficámos algo prejudicados. Mas, sem dúvida, terá valido a pena, concretizando uma aventura cujos testemunhos não se perderam! A citação de Vasco Granja volta a ser indispensável, pois facultava-nos artigos de autores estrangeiros, segundo os seus contactos; idêntica colaboração nos prestava, de Madrid, o dedicado editor de Comics Camp, Comics In, Mariano Ayuso.
Copra apresentava-se no formato de 22,5 17,5 cm, sendo o aspecto gráfico uma das nossas maiores preocupações. Da composição e impressão, em off-set, incumbia-se José Abrantes nome prestigiado na confecção de sebentas universitárias; o número 3 teve, aliás, um importante salto qualitativo, já a cargo do Serviço de Textos da Universidade de Coimbra. A capa do número 0 foi, expressamente, concebida pelo grande artista plástico figueirense Cação Biscaia e, entre os artigos, destaca-se a apresentação do Tarzan de Joe Kubert, ou a revelação de Octobriana.
No número 1 (Outono de 1972), com suplemento de Boomovimento, citam-se uma crónica sobre Brenda Starr; e a ilustração de O Príncipe Valente cuja notícia de sucessão havíamos dado, a nível europeu, em primeira mão no Diário de Coimbra, Agosto de 1971. Outros notáveis se tornaram nossos colaboradores ou correspondentes: o espanhol Luís Gasca; do Brasil, Álvaro de Moya e Adhemar Carvalhaes. Em Fevereiro de 1973, era lançado um profuso boletim especial de Boomovimento, sobre a actividade editorial e fanzinológica, portuguesa e internacional; e um destacável de homenagem a Wanya, Escala em Orongo, obra-prima de Augusto Mota & Nelson Dias.
Na Primavera de 1973, quase nos arruinámos com a capa a duas cores de Copra número 2, dedicada a Vampirella; Jorge Magalhães reflectia sobre Comic, Um Marco de Cultura Popular; excepcionalmente, inseria-se Archibaldo & C.ª por Tó/José António Antunes que, com guião meu como Jomac, e o cupyright do Boomovimento (1973), desenharia para o Diário de Coimbra uma tira original, periódica, de carácter humorístico, o King Size. Em anexo a Copra 2, mais um Boomovimento com amplas recensões.
Só na Primavera de 1974, e pela última vez, regressaria Copra, num extraordinário número 3: aí ganhava corpo o desafio que lançámos aos artistas, portugueses e estrangeiros, para que concebessem histórias curtas, tendo como heroina a própria Copra, cuja personalidade e inserção romanesca dependeria inteiramente da livre criatividade de cada um. Desde logo, e de Leiria, corresponderam Nelson Dias & Augusto Mota, com uma magnífica Copra, a Flor da Memória - que constituiu o primordial aliciante dessa derradeira aparição do nosso fanzine. Infelizmente, ficaram inéditas várias daquelas composições, algumas das quais seriam depois recuperadas.
Para além dos aspectos referenciais, avalio o exemplo de Copra, e mais amplamente do Boomovimento, em geral positivo e, de modo pontual, porventura inovador. A minha transição de Coimbra para Lisboa, após Abril de 1974, determinou o inevitável termo desta intervenção marcada pela disponibilidade pessoal. Trata-se duma experiência ultrapassada e, em definitivo, histórica. Lembrarei por último que, em Copra, se inseriram ainda depoimentos de Robert Gigi, Al Capp, Ignacio Fuentes; textos de Pierre Couperie, Francis Lacassin e Esteban Bartolomé; abordagens sobre Little Orphan Annie, Jeff Hawke, Thor, O Fantasma, O Agente Secreto X-9, Tintin, Pererê, Batman, Cuto; ou incidências sobre os primitivos, cinema e bd, o underground e super-heróis.
José de Matos-Cruz

BREVIÁRiO

Costa do Castelo edita em DVD, A Estrada / La Strada (1954) de Federico Fellini; com Anthony Quinn e Giulietta Masina. IMAG.72-213-247-259-331-367-383


Ática edita A Demonstração do Indemonstrável de Fernando Pessoa (1888-1935).
IMAG. 26-28-64-82-130-131-157-182-187-196-207-211-236-264-323-326-330-333-343-347-376-382-384

Caminho edita O Silêncio da Água de José Saramago (1922-2010) e Manuel Estrada (ilustração).
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EXTRAORDINÁRiO

OS HUMANIMAIS - Folhetim Aperiódico

A PENA DURA EM PEITO MOLE - 10

O certo é que Cecília Sulpício amuou com a vida e com o mundo.
Fechou-se em copas. Deixou de ser mais uma carta viciada do baralho.
Mas, por alta recriação. Entre uma espécie de indiferença. Deu-lh’um sumiço que só a morte explica, ou uma não existência...
Vagueando pelos labirintos de Lisboa, como uma estrela flutuante, pode-se chegar ao Passadiço das Almas Penadas.
Continua
 

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