quinta-feira, abril 12, 2018

IMAGINÁRiO #492

José de Matos-Cruz | 24 Novembro 2014 | Edição Kafre | Ano XI – Semanal – Fundado em 2004


PRONTUÁRiO

TRANSCENDÊNCIA
Desde cedo o cinema se converteu em fenómeno de culto, explorado por múltiplas facetas: culto das suas vedetas, dos criadores, das próprias fitas - assim variando ao longo do Século XX, entre o fascínio e a emoção, a nostalgia e o encantamento. Durante sucessivas décadas, por conseguinte, subsistiu uma margem de público instituída - apesar das variantes - entre o estrito fanatismo e os limites volúveis do espectáculo. Pensemos agora noutra situação, punhamos a eventualidade de um culto que não respeita, já, ao espectador mas directamente ao artista visionário, àquele que manipula os materiais do cinema, e se exprime segundo as específicas virtualidades do imaginário. O realizador - fiel à regras duma indústria a que outrora se chamou fábrica de sonhos, mas também dependente dos caprichos do mercado, ou deles vítima eventual. Em tal sortilégio transfigurador, as modas e os modelos foram-se alterando. Este dilema eminente era reconhecido por David Lean (1908-1991), pouco antes de falecer. O mesmo director que, após uma iniciação prestigiosa (Breve Encontro - 1945, Grandes Esperanças - 1946), logrou alguns dos maiores sucessos de sempre (A Ponte do Rio Kway - 1957, Doutor Jivago - 1965, A Filha de Ryan - 1971)… Do esplendor ao crepúsculo das superproduções, concebidas para um deslumbramento ritual, o talento maior de David Lean terá sido reverter um desafio tão insinuante, culminado em Lawrence da Arábia (1962).

MEMÓRiA

1738-24NOV1794 - Cesare Bonesana, Marquês de Beccaria: Jurista, filósofo, economista e literato italiano - «É melhor prevenir os crimes do que puni-los depois».

1948-25NOV1974 - Nicholas Rodney Drake, Nick Drake: Cantor e compositor britânico - «Eu não sinto nenhuma emoção sobre nada. / Eu não quero rir nem chorar. Estou dormente; morto por dentro». IMAG.208

1397-27NOV1474 - Guillaume Dufay: Compositor franco-flamengo da Escola de Borgonha - «Cosmopolita, este homem não foi apenas celebrado na área musical. Doutor em leis canónicas e especialista em questões eclesiásticas, morreu rodeado de prestígio, riquezas e probendas» (A.R.). IMAG.395
1908-27NOV1934 - Lester Joseph Gillis, aliás Baby Face Nelson: Durante a década de ’30, Inimigo Público nº 1 nos EUA - «Não aceito líderes. Tenho a minha própria maneira de assaltar bancos. Entro por ali dentro, mato toda a gente e saco o dinheiro» (sobre John Dillinger). IMAG.423-475

1906-27NOV1994 - Fernando Lopes-Graça: Compositor e maestro português - «Revolução e Liberdade são sinónimos, são equivalentes. São leis imutáveis gravadas na face do Cosmo, eternas e divinas como ele». IMAG.15-48-106-111-140-146-175-261-262-326-332-342

29NOV1874-1955 - António Caetano de Abreu Freire Egas Moniz: - Neurologista, investigador, político, escritor, distinguido com o Prémio Nobel da Medicina (1949), autor de A Vida Sexual (1901) - «Apesar de hoje em dia aquela obra poder ser criticada de vários pontos de vista, para época foi uma ousadia apresentar o tema à Universidade de Coimbra» (José Pacheco). IMAG.62-136-206-356

1858-29NOV1924 - Giacomo Antonio Domenico Michele Secondo Maria Puccini, aliás Giacomo Puccini: «Massenet concebeu a Manon como um francês, com minuetos e pó de arroz. Eu vou tratá-la como um italiano, com paixão desesperada… Por que não duas óperas? Uma mulher como Manon pode ter mais de um amante». IMAG.147-188-207-226-227-00-473

1931-30NOV1994 - Guy Ernest Debord, aliás Guy Debord: Escritor francês, teórico marxista - «O espectáculo é ao mesmo tempo parte da sociedade, a própria sociedade e seu instrumento de unificação. Enquanto parte da sociedade, o espectáculo concentra todo o olhar e toda a consciência. Por ser algo separado, ele é o foco do olhar iludido e da falsa consciência; a unificação que realiza não é outra coisa senão a linguagem oficial da separação generalizada… O espectáculo não é um conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas, mediatizada por imagens» (A Sociedade do Espectáculo - 1967). IMAG.352

CALENDÁRiO

1918-05DEZ2013 - Rolihlahal Mandela, aliás Nelson Mandela, aliás Madiba: Activista social, líder político, Presidente da África do Sul (1994-1999), distinguido com o Prémio Nobel da Paz (1993) - «Naquilo em que eu possa ter ajudado a trazer o nosso país até esta nova era, foi porque sou produto das gentes do mundo que acalentaram a visão de uma vida melhor para todos, em toda a parte» (1999). IMAG.361


VISTORiA

Origem das Penas e Direito de Punir
Ninguém fez gratuitamente o sacrifício de uma porção de sua liberdade visando unicamente ao bem público. Tais quimeras só se encontram nos romances. Cada homem só por seus interesses está ligado às diferentes combinações políticas deste globo; e cada qual desejaria, se fosse possível, não estar ligado pelas convenções que obrigam os outros homens. Sendo a multiplicação do género humano, embora lenta e pouco considerável, muito superior aos meios que apresentava a natureza estéril e abandonada, para satisfazer necessidades que se tornavam cada dia mais numerosas e se cruzavam de mil maneiras, os primeiros homens, até então selvagens, viram-se forçados a reunir-se. Formadas algumas sociedades, logo se estabeleceram novas, na necessidade em que se ficou de resistir às primeiras, e assim viveram essas hordas, como tinham feito os indivíduos, num contínuo estado de guerra entre si. As leis foram as condições que reuniram os homens, a princípio independentes e isolados sobre a superfície da terra.
Cansados de só viver no meio de temores e de encontrar inimigos por toda parte, fatigados de uma liberdade que a incerteza de conservá-la tornava inútil, sacrificaram uma parte dela para gozar do resto com mais segurança. A soma de todas essas porções de liberdade, sacrificadas assim ao bem geral, formou a soberania da nação; e aquele que foi encarregado pelas leis do depósito das liberdades e dos cuidados da administração foi proclamado o soberano do povo.
Não bastava, porém, ter formado esse depósito; era necessário protegê-lo contra as usurpações de cada particular, pois tal é a tendência do homem para o despotismo, que ele procura sem cessar, não só retirar da massa comum a sua porção de liberdade, mas ainda usurpar a dos outros.
Eram precisos meios sensíveis e bastante poderosos para comprimir esse espírito despótico, que logo tornou a mergulhar a sociedade no seu antigo caos. Esses meios foram as penas estabelecidas contra os infractores das leis.
Cesare Beccaria
- Dos Delitos e das Penas (1764 - excerto)
COMENTÁRiO

Egas Moniz, 50 Anos da Morte
Eram raros os contributos originais de investigadores portugueses no domínio da Ciência. Na área da Medicina, destacavam-se exemplos incontestáveis, como Garcia de Orta, Amato Lusitano e Ribeiro Sanches. Actualmente há, dentro e fora de Portugal, nomes de referência obrigatória. Todavia, a única figura da primeira metade do século passado que alcançou projecção universal e mereceu, em Outubro de 1949, o Prémio Nobel, foi Egas Moniz.
Faleceu Egas Moniz há 50 anos, que se completam em Dezembro próximo. Que comemorações se encontram previstas para assinalar a efeméride? Que iniciativas serão realizadas nas Universidades de Coimbra e de Lisboa, onde foi catedrático? E na Casa-Museu em Avanca (Estarreja, Aveiro), que guarda o seu espólio (em parte por investigar) e peças de arte que coleccionou ao longo da vida?
A bibliografia de Egas Moniz integra mais de 300 títulos, a maioria dos quais de natureza científica. Destacam-se três temas. Num primeiro plano, para o grande público, ressalta A Vida Sexual. Saiu, em 1901, e teve sucessivas edições. Enquadra-se no âmbito de outras obras do mesmo teor publicadas, ao tempo, na Europa. Outro tema que lhe deu notoriedade foi a angiografia. Egas Moniz e a sua equipa, em 1927, tornaram visível a rede circulatória do cérebro e localizaram tumores cerebrais. Cirurgiões de todo o mundo reconheceram a descoberta. Mas a utilidade da angiografia não se limitou ao estudo do cérebro. Foi aplicada por vários médicos portugueses a outras regiões do corpo. Finalmente, avulta a descoberta que deu lugar à atribuição do Nobel, a leucotomia. Sobre este terceiro tema deixou muitas publicações. Os primeiros resultados comunicados à Academia de Medicina de Paris, em 1936, despertaram interesse nos meios científicos. A prática da leucotomia, pelas alterações que provoca no comportamento, desencadeou uma polémica no seio da Igreja Católica. Respondeu Egas Moniz às acusações defendendo, com firmeza, a contribuição que prestava à medicina, à cirurgia, e, de um modo genérico, a toda a Ciência.
Ainda escreveu sobre literatura e arte. Egas Moniz era uma figura de prestígio, na cátedra e nos encontros internacionais em que participava. Também foi parlamentar no fim da monarquia e ministro e diplomata na I República. Iniciado na maçonaria, pertenceu ao Grande Oriente Lusitano.
A atribuição do Nobel da Medicina pela primeira vez a um cientista português justificava todo o relevo na divulgação. Mas o facto de abrir o noticiário da Emissora Nacional deu origem a um processo disciplinar a Jerónimo Bragança, coordenador da redacção, e ao locutor Pedro Moutinho.
António Valdemar
13JAN2005 - Diário de Notícias

BREVIÁRiO

Sony Pictures edita em Blu-ray, Lawrence da Arábia / Lawrence of Arabia (1962) de David Lean; com Peter O’Toole e Alec Guiness. IMAG.141-320

Assírio & Alvim edita Serão Inquieto de António Patrício; posfácio de David João Neves Antunes. IMAG.172-277-488

Divisa edita em DVD e Blu-ray, Medo e Desejo / Fear and Desire (1953) de Stanley Kubrick (1928-1999); com Paul Mazursky e Frank Silvera.
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EXTRAORDINÁRiO

OS HUMANIMAIS - Folhetim Aperiódico

CARTA NA MÃO DOBRA O ENGUIÇO - 9

Entre altos e baixos, matreirices e decepções, fúrias e euforias, Salomão Emérito havia de ser igual até final. Sem acólitos. Nunca fiando. Sem sucesso. Nada propondo. Sem família. Ninguém contendo. Sem futuro. Tudo poluindo.
Continua

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