quinta-feira, fevereiro 15, 2018

IMAGINÁRiO #457

José de Matos-Cruz | 01 Março 2014 | Edição Kafre | Ano XI – Semanal – Fundado em 2004


PRONTUÁRiO

FANTASIAS
No ano 40000, o presidente da Terra, Dyanthus incumbe a astronavegadora Barbarella - que ia em férias para Nova Capri Venus - de uma missão grave e secreta: recuperar o cientista Durand-Durand - inventor do Raio Positrónico, capaz de anular toda a matéria viva - o qual desapareceu no sistema Tan-Ceti. Só ela poderá preservar a harmonia das estrelas e a segurança do planeta-mãe, onde não há exército e vigora o amor... Assim relatam as crónicas de Barbarella (1968) - um filme franco-italiano realizado por Roger Vadim, e com elenco internacional: Jane Fonda como protagonista, John Philip Law encarna Pygar, um anjo cego. Sete argumentistas ocuparam-se da transposição, entre eles Vadim e Jean-Claude Forest, o inspirado criador original. Nesta visão sofisticada do fantástico, pelo sortilégio de uma heroína audaciosa, sem inibições, em seu impacte futurista, o cinema estiliza uma noção feérica do imaginário, que Forest entendia como «ensaio compensatório» para a sua profissão de ilustrador. Nascida em 1962, na bd, cedo Barbarella se converteu em fenómeno de culto - onírico, erótico e efabulatório. Exaltada pelos signos mediáticos, ícone publicitário e alvo de censura, estudada nas universidades, Barbarella transfiguraria os símbolos do desejo e da beleza, reincididos pelo grotesco e pela crueldade. Segundo Forest, «o que me interessa é ser, sempre, meu contemporâneo. Barbarella partiu de um fantasma, de uma mulher que eu esperava descobrir um dia, na minha juventude, e que acabei por encontrar».

CALENDÁRiO

1942-07MAR2013 - Dieter Herman, aliás Didier Comès: Artista belga de banda desenhada, ligado ao valão e ao francês, autor de Silence / Silêncio (1979) - «Sou um bastardo de duas culturas».

05ABR-29MAI2013 - No Centro Cultural de Cascais, Fundação D. Luís I expõe Colagens e Pinturas Recentes de Christian Bonnefoi.

VISTORiA

há um pássaro azul no meu coração
que quer sair
mas eu sou demasiado duro para ele,
e digo, fica aí dentro,
não vou deixar
ninguém ver-te.
há um pássaro azul no meu coração
que quer sair
mas eu despejo
whisky sobre ele
e inalo fumo de cigarros
e as putas e os empregados de bar
e os funcionários da mercearia
nunca saberão
que ele se encontra
lá dentro.
há um pássaro azul no meu coração
que quer sair
mas eu sou demasiado duro para ele,
e digo, fica escondido,
queres arruinar-me?
queres foder-me o
meu trabalho?
queres arruinar
as minhas vendas de livros
na Europa?
há um pássaro azul no meu coração
que quer sair
mas eu sou demasiado esperto,
só o deixo sair à noite
por vezes
quando todos estão a dormir.
digo-lhe, eu sei que estás aí,
por isso
não estejas triste.
depois,
coloco-o de volta,
mas ele canta um pouco lá dentro,
não o deixei morrer de todo
e dormimos juntos
assim
com o nosso
pacto secreto
e é bom o suficiente
para fazer um homem chorar,
mas eu não choro,
e tu?
Charles Bukowski

INVENTÁRiO

RIBEIRINHO

A primeira participação de Francisco Ribeiro/Ribeirinho (1911-1984) no cinema consumou-se apenas pela voz, referenciado na versão portuguesa de Son Excellence Antonin/O Grande Nicolau (1935) de Charles-Félix Tavano, ao lado de Vasco Santana ou Hortense Luz. Nesses primórdios do fonocinema, entre nós, a dobragem logrou, porém, uma vivência precária, controversa, sendo afinal proibida. Entretanto, Ribeirinho realizava vários filmes de âmbito restrito – sobretudo, relacionados com o seu trabalho enquanto director do Teatro do Povo, cujos actores envolveu – cabendo destacar A Costureirinha da Sé, O Pardal de São Bento, Cruz à Porta e Todos Iguais (1938) em 9,5 mm, ou O Miúdo do Terço (1941) em 16 mm, indicado na revista Animatógrafo como «o primeiro filme sonoro em formato reduzido por amadores em Portugal». Por essa altura, destacara-se já no elenco de duas longas metragens – A Revolução de Maio (1937) como Jerónimo Barata, Feitiço do Império (1940) como Chico do Austin – dirigidas por António Lopes Ribeiro, com quem (e Vasco Santana) escreveu os diálogos de O Pai Tirano (1941), cabendo-lhe protagonizar Francisco Mega. O seu irmão e também produtor confiou-lhe, então, a realização de O Pátio das Cantigas (1941), para o qual foi ainda co-argumentista e deu vida ao irresistível Rufino Fino Filho. Como profissional, Ribeirinho apenas voltou a realizar As Rodas de Lisboa (1951) com Lopes Ribeiro – documentário sobre a Companhia de Carris de Ferro de Lisboa/CCFL e a comemoração do cinquentenário da electrificação dos transportes urbanos na capital, patrocinado pela Câmara Municipal. Por essa altura, consumara já outros dos mais relevantes desempenhos em longa metragem – Fortunato em A Menina da Rádio (1944) de Arthur Duarte, Jerónimo em A Vizinha do Lado (1945) de Lopes Ribeiro – nos quais sobressai uma composição histriónica. Logrou versatilidade no Ricardo de Três Espelhos/Trés Espejos (1947) de Ladislao Vajda, co-produção luso-espanhola de incidências criminais; tendo deixado outros apontamentos cómicos, ao lado de António Silva, como Rival em Um Drama de Amor – Sempre ao Pé (1948), curta experimental atribuída a Lopes Ribeiro. O fenómeno da comédia reincidiu em O Grande Elias (1950) de Arthur Duarte, ao protagonizar um dissipado Miguel. Em 1954, Ribeirinho escreveu (com Vasco e Henrique Santana) o argumento de O Costa d’África (João Mendes), sendo ainda responsável pela supervisão e intérprete de Roberto. Cinco anos mais tarde, personificou Ernesto Ledesma em O Primo Basílio de Lopes Ribeiro. Ambos se reuniram, enfim, para o documentário Gil Vicente e o Seu Teatro (1966), de que Ribeirinho foi director artístico. Ribeirinho deu ainda a sua notável prestação ao crepúsculo da comédia, como Liberato em Aqui Há Fantasmas (1963) de Pedro Martins, que também concebeu com Henrique Santana; e como Orlando em O Diabo Desceu à Vila (1979) de Teixeira da Fonseca. Em 1983, Ribeirinho interveio na série televisiva Fim de Século de Herlander Peyroteo; culminar de uma colaboração para o pequeno ecrã, em que se destacam a tradução de O Urso (1958 - Artur Ramos) de Anton Tchékhov, e de Noite de Reis (1963 - Fernando Frazão) de William Shakespeare, que também encenou; e a autoria de Comédia das Verdades e das Mentiras (1963 - Fernando Frazão) com Costa Ferreira, e Uma Bomba Chamada Etelvina (1988 - Victor Manuel) com Henrique Santana, em apresentação póstuma. Em 1987, Lauro António distinguiu Ribeirinho na série televisiva Paródia, a Comédia à Portuguesa.

MEMÓRiA

05MAR1794-1872 - Jacques Babinet: Físico e astrónomo francês, inventor de uma máquina pneumática, memorialista em Annales de Physique et de Chimie (1824-1841) e Comptes Rendus de l'Académie des Sciences (1837-1865). IMAG.391

1913-05MAR1984 - Tito Gobbi: Barítono italiano - entre as principais personagens contam-se Conde Almaviva, Figaro, Macbeth, Posa, Gianni Schicchi, Germont, Nabucco - ou Baron Scarpia na produção (1964) de Franco Zeffirelli sobre a ópera Tosca de Giacomo Puccini, em Covent Garden, com Maria Calas na protagonista. IMAG.331-440

1920-09MAR1994 - Charles Bukowski: Ficcionista e poeta americano, nascido na Alemanha - «O amor é uma espécie de preconceito. Amamos o que nos é preciso, amamos o que nos faz sentir bem, amamos o que é conveniente. Como podemos dizer que amamos uma pessoa, quando há dez mil outras no mundo que amaríamos mais, se as conhecêssemos? Porém, nós nunca as conheceremos». IMAG.287-350

COMENTÁRiO

DIDIER COMÈS

Os rastos e os rostos da banda desenhada franco belga atingem uma fascinante, insólita identidade no talento de Didier Comès (1942-2013), com Silêncio, A Doninha, A Árvore-Coração, A Casa Onde as Árvores Sonham ou Íris - em estilizado preto-e-branco, revelando uma recorrência estranha, sobre os múltiplos mistérios da concepção, o fantástico enigma do relacionamento, os signos e os poderes em que se ritualiza um contraste de vivências - quanto aos seres, às situações, às épocas e aos lugares. Afinal, um universo mágico, onírico, simbólico, cuja latente mas poética virtualidade, em quadradinhos, funde as referências artísticas e criativas, com o sortilégio da leitura, explicitamente conotada aos privilégios da visão. «As pessoas têm medo daquilo que não compreendem… A intolerância de alguns não deve fazer esquecer a generosidade de outros. Além disso, o tempo não tem sentimentos…» Argumentista / ilustrador, Comès logra uma conversão entre os dilemas e as expectativas da aventura humana - pela psicologia das personagens ou nos prodígios da natureza.

BREVIÁRiO

Paramount edita em Blu-ray, Barbarella (1968) de Roger Vadim; com Jane Fonda e John Philip Law. IMAG.40-173-184-198-411

Relógio D’Água edita Oficiais e Cavalheiros de Evelyn Waugh (1903-1966); tradução de José Miguel Silva. IMAG.180-395-396-440

Andante edita em CD, sob chancela Naive, Sergei Rachmaninov [1873-1943]: Sonatas Para Piano 1 e 2 por Nikolai Lugansky. IMAG.412
 

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