quinta-feira, fevereiro 08, 2018

IMAGINÁRiO #455

José de Matos-Cruz | 16 Fevereiro 2014 | Edição Kafre | Ano XI – Semanal – Fundado em 2004

PRONTUÁRiO

FANTÁSTICO
«Promover e estimular o género literário fantástico, apostando na exigência, na qualidade, e na comunicação entre criadores» é o objectivo da revista Trëma, com edição de Rogério Ribeiro, materializando um projecto amplo, versátil e virtual (http://trema-mag.blogspot.pt/ - com coordenação de Luís Filipe Silva), que inclui uma Oficina de Escrita Criativa Fantástica (na Biblioteca Municipal Orlando Ribeiro - Lisboa), e em vivo testemunho do seu manifesto original. Prevendo(-se como) um espaço de evolução, para futuro, Trëma (com capa ilustrada por Luís Melo) inclui contos de Luís Filipe Silva, Carina Portugal, Maria Amaral Ribeiro e Rui Ângelo Araújo, uma entrevista com Ivor Hartmann (a ficção científica africana), uma crítica de Andreia Torres, ensaios de Artur Coelho e João Campos, além de uma crónica de Rogério Ribeiro, que sublinha a expectativa de «ajudar à formação de um mercado efectivo para o género fantástico», «assumindo neste momento um carácter amador». A contactar para o endereço trema.mag@gmail.com

MEMÓRiA

22ABR1724-12FEV1804 - Emmanuel Kant: Filósofo prussiano - «A razão humana tem este destino singular, numa parte dos seus conhecimentos, de sucumbir ao peso de certas questões que não pode evitar. Com efeito, tais questões impõem-se à razão devido à sua mesma natureza, mas ela não pode responder-lhes porque de todo ultrapassam a sua capacidade» (Prolegómenos). IMAG.18

18FEV1404-1472 - Leon Battista Alberti: Humanista, teórico de arte e arquitecto italiano, autor de De Re Aedificatoria Libri Decem (1452) - «A beleza é uma espécie de harmonia e acordo entre todas as partes, que devem formar um todo». IMAG.214-380

18FEV1924-2012 - Lêdo Ivo: Ficcionista, poeta e jornalista brasileiro - «O grande escritor não precisa de ser muito inteligente nem muito culto. A inteligência e a cultura são, contudo, indispensáveis nos escritores menores». IMAG.446

1917-18FEV2004 - Jean Rouch: Realizador e etnólogo francês, documentarista e mentor do cinema directo - «O olhar da câmara é mais eficaz e minucioso do que o olhar humano. O olhar da câmara tem uma memória infalível, enquanto o olhar do realizador está disperso». IMAG.96-217-404

21FEV1864-28NOV1934 - Henrique Maximiano Coelho Neto: Escritor, político e professor brasileiro - «A vida é a variedade. Assim como o paladar pede sabores diversos, assim a alma exige novas impressões».

1905-21FEV1984 - Mikhail Sholokov: Prémio Nobel da Literatura em 1965, «pela intensidade artística e pela integridade com que tratou, na épica região do Don, um período histórico do povo russo».

23FEV1934-2011 - Augusto Algueró: Compositor espanhol e director de orquestra, autor de Noelia (por Nino Bravo) - «Além de temas pop, fiz mais de duzentas bandas sonoras, teatro musical, genéricos de séries e programas de televisão». IMAG.341

PARLATÓRiO

Arquitecto é aquele que, com método e procedimento seguro e perfeito, saiba projectar racionalmente e realizar na prática, graças à deslocação das cargas e à acumulação e conjunção dos corpos, obras que se acomodem perfeitamente às mais importantes necessidades humanas. Tal fim requer o conhecimento e domínio das melhores e mais altas disciplinas. Assim deverá ser o arquitecto.
Leon Battista Alberti

CALENDÁRiO

22MAR-28ABR2013 - No Centro Cultural de Cascais, Fundação D. Luís I apresenta The Price of Beauty - exposição de fotografia de Haidji.

VISTORiA

A Razão É Contrária à Felicidade

Quanto mais uma razão cultivada se consagra ao gozo da vida e da felicidade, tanto mais o homem se afasta do verdadeiro contentamento; e daí provém que em muitas pessoas, e nomeadamente nas mais experimentadas no uso da razão, se elas quiserem ter a sinceridade de o confessar, surja um certo grau de misologia, quer dizer de ódio à razão. E isto porque, uma vez feito o balanço de todas as vantagens que elas tiram, não digo já da invenção de todas as artes do luxo vulgar, mas ainda das ciências (que a elas lhes parecem no fim e ao cabo serem também um luxo do entendimento), descobrem contudo que mais se sobrecarregaram de fadigas do que ganharam em felicidade, e que por isso finalmente invejam mais do que desprezam os homens de condição inferior que estão mais próximos do puro instinto natural, e não permitem à razão grande influência sobre o que fazem ou deixam de fazer. E até aqui temos de confessar que o juízo daqueles que diminuem e mesmo reduzem a menos de zero os louvores pomposos das vantagens que a razão nos teria trazido no tocante à felicidade e ao contentamento da vida, não é de forma alguma mal-humorado ou ingrato para com a vontade do governo do mundo, mas que na base de juízos desta ordem está oculta a ideia de uma outra e mais digna intenção da existência, à qual, e não à felicidade, a razão muito especialmente se destina, e à qual por isso, como condição suprema, se deve subordinar em grandíssima parte a intenção privada do homem.
Portanto, se a razão não é apta bastante para guiar com segurança a vontade no que respeita aos seus objectos e à satisfação de todas as nossas necessidades (que ela mesma - a razão - em parte multiplica), visto que um instinto natural inato levaria com muito maior certeza a este fim, e se, no entanto, a razão nos foi dada como faculdade prática, isto é, como faculdade que deve exercer influência sobre a vontade, então o seu verdadeiro destino deverá ser produzir uma vontade, não só boa quiçá como meio para outra intenção, mas uma vontade boa em si mesma, para o que a razão era absolutamente necessária, uma vez que a natureza de resto agiu em tudo com acerto na repartição das suas faculdades e talentos. Esta vontade não será na verdade o único bem nem o bem total, mas terá de ser contudo o bem supremo e a condição de tudo o mais, mesmo de toda a aspiração de felicidade. E neste caso é fácil de conciliar com a sabedoria da natureza o facto de observarmos que a cultura da razão, que é necessária para a primeira e incondicional intenção, de muitas maneiras restringe, pelo menos nesta vida, a consecução da segunda, que é sempre condicionada, quer dizer, da felicidade, e pode mesmo reduzi-la a menos de nada, sem que com isto a natureza falte à sua finalidade, porque a razão, que reconhece o seu supremo destino prático na fundação duma boa vontade, ao alcançar esta intenção é capaz duma só satisfação conforme à sua própria índole, isto é a que pode achar ao atingir um fim que só ela (a razão) determina, ainda que isto possa estar ligado a muito dano causado aos fins da inclinação.
Emmanuel Kant
- Fundamentação da Metafísica dos Costumes

Aos da Caravana

Entre os celtas, nos tempos rijos e sanguinários, quando, pelas agrestes montanhas, dia e noite, atroavam buzinas roucas conclamando os guerreiros para a defesa da pátria ou para a partilha dum gamo, enquanto as facas iam talhando a selvagina, ao clarão rubro da fogueira, os file, com os olhos no céu, correndo os dedos ágeis pelas cordas da harpa, recontavam os feitos dos heróis, as beneficências dos gênios e as maravilhas excelentes da terra farta e amável.
Os file eram a memória da raça. Porque ainda não surgira o artista imortalizador que gravasse na pedra eterna ou inscrevesse na folha destrutível a tradição nacional, os file guardavam na memória, transmitindo, de homem a homem, não só os hinos improvisados pelos bardos como as lendas do gênio popular, e a história, conservada nesses monumentos orais, ia dum a outro, como a chama dum círio passa a outro círio.
Dividiam-se os file em dez categorias, desde o oblairo, que apenas sabia sete histórias, até o ollam que repetia de cor trezentas e cinqüenta.
Este livro, amigos meus, é mais vosso do que meu, porque na sua composição entrou apenas a minha memória. Como o ollam venho contar aos que surgem a odisséia da nossa mocidade.
Triste, triste foi a nossa vida posto que, de longe em longe, como um raio de sol atravessando nuvens tempestuosas, o riso viesse palidamente à flor dos nossos lábios. Mas chegamos, vencemos… Deus o quis! E, se ainda não tomamos de assalto a praça em que vive acastelada a indiferença pública, já cantamos em torno e, ao som dos nossos hinos, ruem os muros abalados, e avistamos, não longe, pelas brechas, a cidade Ideal dos nossos sonhos.
Mas no dia em que nela pudermos entrar vitoriosos, pisando a verde, macia e cheirosa folhagem, indo repousar à sombra das árvores, perto da frescura e do murmúrio da água, nesse dia, reunidos pela saudade, sacrificaremos, com religioso sentimento, aos manes dos que ficaram adormecidos à sombra dos ciprestes.
Coelho Neto
- A Conquista (1899 - Introdução, excerto)

O Cavalo

No campo matinal
um cavalo assediado
pelo zumbir das moscas
mastiga avidamente,
o capim do universo.
Os insetos volteiam
no anel azul do mundo
- esfera sem passado
nos ares momentâneos.
Não há mitologia
espalhada na relva
que é verde, sem caminhos,
longe das longes terras.
E o cavalo sobrado
da inenarrável guerra
e da paz defendida
à sombra das espadas
mata a fome no campo
onde não jazem mortos
nem retroam clarins.
Sua crina estremece.
E seus cascos escarvam
a plácida planície
coberta pelos pássaros.
Já sem fome, relincha
para os céus que não guardam
as fanfarras e flâmulas
e a fumaça da História,
e se muda em estátua.
Lêdo Ivo

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